Faculdade de Direito estuda experiências de governo participativo no Brasil

Núcleo da USP analisa a administração pública brasileira enquanto instrumento de efetivação de direitos fundamentais.

Com uma experiência republicana relativamente recente, momentos políticos conturbados levaram o Brasil a demorar para conhecer a democracia. Após a ditadura militar, o país passou por um novo período de transição política, completando agora, quase três décadas depois, o que seria sua experiência democrática mais duradoura.

A insurgência da democracia fez, então, com que paradigmas e imbróglios sociais se apresentassem ao Estado, encarregando-o com novos desafios. Dentro desse cenário, o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Direito Administrativo Democrático (NEPAD) da USP analisa a administração pública brasileira enquanto instrumento de efetivação de direitos fundamentais.

Gustavo Justino de Oliveira | Foto: Divulgação
Gustavo Justino de Oliveira | Foto: Divulgação

De acordo com André Tito da Motta Oliveira, mestre em Direito do Estado e um dos pesquisadores participantes, o núcleo criado no ano de 2012 passou por três etapas. Primeiramente, as reflexões se restringiam aos orientandos do professor de Direito Administrativo Gustavo Justino de Oliveira e às linhas de pesquisa desenvolvidas em suas dissertações e teses de doutorado na Faculdade de Direito (FD) da USP. Já numa segunda fase, relata, “abrimos processos seletivos para a inclusão de membros da graduação e da pós-graduação, não só do curso de Direito, abrindo um pouco o leque para o enriquecimento das discussões”. Na etapa mais recente o diálogo voltou a ficar mais restrito em termos de participantes, mas o objetivo é a expansão – já está previsto um novo processo seletivo para o próximo ano.

André explica que o Núcleo fora criado justamente para ser um espaço de discussão e reflexão a respeito do Direito Administrativo Democrático, e dentro desse tema maior são desenvolvidas linhas de pesquisa sobre a Participação Democrática, Participação na Administração e qual o papel do Direito Administrativo para nesse debate.

Recentemente, o NEPAD participou na elaboração do Projeto de Lei nº 433/2014, juntamente aos vereadores Roberto Trípoli e Andreas Matarazzo. A discussão geral do PL busca trazer uma estrutura base para a participação no contexto do município de São Paulo, passando pela questão das audiências públicas e pelo papel da participação em si na formulação de políticas de transporte, educação e do meio-ambiente relacionadas à cidade.

Nesse sentido, o NEPAD levou suas pesquisas anteriormente elaboradas para o contexto do processo legislativo (conjunto de atos realizados pela Assembleia para elaboração das leis). A essa altura, um dos orientandos, Fábio Gomes dos Santos, estudava a questão das audiências públicas e acabou incluindo em seu trabalho o que ele já vinha entendendo de sua pesquisa, e até mesmo aspectos críticos para melhorias da própria lei.

Em sua fase atual, a agenda do NEPAD também inclui participação em eventos internacionais para expor, num contexto global, as pesquisas que têm sido desenvolvidas pelos membros do Núcleo. Buscando trazer um olhar de fora e tentando captar experiências de outros contextos da América Latina agregadoras para o diálogo no âmbito do Direito, o primeiro evento será o vigésimo Congresso Internacional do Centro Latino Americano de Administração para o Desenvolvimento (CLAD) sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública, que acontece no mês de novembro em Lima, Peru. Nele, Justino mostrará resultados de estudos desenvolvidos no Departamento de Direito do Estado, sob sua orientação, acerca das experiências participativas brasileiras em políticas públicas de habitação, planejamento urbano estratégico e educação.

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Eventos do NEPAD

Para difundir os resultados apurados em suas pesquisas, semestralmente o Núcleo promove seminários e outros tipos de eventos na Faculdade de Direito. No dia 14 de outubro, por exemplo, foi realizado o Painel Científico “Participação Popular em movimento: Estudo de Casos nas Áreas da Moradia, Educação e Cidades”.

O Painel foi mediado por Gabriela de Brelaz, doutora em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas, que se propôs a fazer provocações aos trabalhos apresentados tanto por Justino de Oliveira, que expôs o painel “Impacto na inclusão social pela aplicação do direito a moradia” em análise do programa de habitação popular Minha Casa Minha Vida, quanto pelas orientandas Alexandra Fuchs de Araújo e Fernanda Vick Soares de Sena, que trouxeram painéis sobre o Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo e a Conferência Nacional de Educação de 2010, respectivamente.

Foto: Marcos Santos
Foto: Marcos Santos

Partindo da constatação de que a experiência participativa no Brasil é referência mundial, aspectos importantes de contexto nacional e da cidade de São Paulo mais atuais também foram abordados. Alguns pontos pungentes como a evolução inexpressiva da capacidade técnica administrativa do Estado e as políticas pouco confluentes com movimentos sociais foram citados. “É como se eles dissessem ‘estamos dando espaço para vocês falarem, mas não estamos ouvindo’”, exemplifica Gabriela.

Além disso, também foram feitas considerações sobre a dificuldade de se implementar uma política desenvolvimentista dentro de uma democracia contextualizada na América Latina, bem como o potencial de alguns avanços participativos tornarem-se retrocessos dado o conflituoso momento político e econômico atravessado pelo país.

Em um dos pontos do seminário, quando houve abertura para debate entre os palestrantes e os alunos presentes, Justino de Oliveira afirmou que “ainda há um ranço brasileiro em digerir [o tema da] participação popular no âmbito jurídico”, como se fosse uma área destinada à Ciência Política. Sobre isso, André Tito alegou que, no Brasil, algumas faculdades e instituições têm uma história maior de internalização de temas mais contemporâneos, a exemplo do Rio de Janeiro e da Região Sul onde esses temas já são desenvolvidos há mais tempo. Para ele, a resistência existe “porque quando tratamos do Direito Administrativo brasileiro, sempre vem uma ideia dogmática, cristalizada, de espírito impositivo. É isso que nós tentamos desenvolver num núcleo com espaço de discussão, se nós devemos ou não modificar a forma como analisamos o Direito Administrativo”.

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