Solução de demandas de presos dependem de mobilização junto a famílias e organizações

Pesquisa de doutorado desenvolvida na FFLCH observou que isso ocorre tanto em relação à administração penitenciária e os diversos agentes do sistema de Justiça como também em relação às necessidades mais básicas.

Ao acompanhar o cotidiano de algumas prisões do estado de São Paulo, o cientista social Rafael Godoi constatou que é a mobilização envolvendo os presos, suas famílias e organizações da sociedade civil, como a Pastoral Carcerária, que faz as demandas dos encarcerados serem encaminhadas. Isso ocorre tanto em relação à administração penitenciária e os diversos agentes do sistema de Justiça (Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública) como também em relação às necessidades mais básicas (itens de higiene pessoal, vestuário e limpeza).

Em seu doutorado pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Godoi acompanhou essa realidade prisional atuando como agente pastoral. Trata-se de um trabalho voluntário junto à Pastoral Carcerária, onde o agente vai até o preso e oferece assistência de diversas formas: doação de kits de higiene pessoal e de remédios, realização de orações, reflexões, conversas, além de orientação jurídica.

Para o pesquisador, essa necessidade de mobilização ajuda a entender a existência do Primeiro Comando da Capital (PCC) dentro das prisões. “O PCC atua como uma máquina de mobilização de presos ao regular muitas relações entre o que ocorre dentro e fora das prisões. Mas isso somente é possível porque o funcionamento delas está baseado na interdependência entre o interno e o externo”, destaca, ressaltando que a maior parte dos presos que conheceu não está associada ao PCC.

Godoi realizou 46 visitas registradas como agente pastoral em penitenciárias da Região Metropolitana de São Paulo e do interior do estado. Duas principais questões permearam a análise dos dados obtidos e que são bastante discutidas por pesquisadores da área. A primeira é se a prisão é um depósito de pessoas concentradas pelo poder público num único local visando à incapacitação. A outra é se a prisão pode ser entendida como um universo à parte do restante da sociedade.

A constatação foi de que não se trata nem de uma coisa nem de outra e, muito menos, de ressocialização. “A ressocialização não é a função da prisão e nem sempre acontece. Quando ocorre, é muito mais pela superação individual do preso”, opina. “Alguns discursos vigentes dizem que as pessoas são presas para serem preparadas para o convívio social, mas isso é realizado privando essas pessoas de estarem na sociedade. Trata-se de um contrassenso.”

Sobre o discurso de que a prisão é um universo à parte, o cientista social discorda exatamente por ter observado a necessidade de mobilização entre os encarcerados, suas famílias e a pastoral. Como exemplo, Godói cita o caso de um preso condenado pela Vara Criminal. É preciso que uma Guia de Recolhimento seja encaminhada para a Vara de Execução Penal, caso contrário, o processo fica retido na vara criminal de origem. “Este procedimento deveria ser automático, mas muitas vezes não é. É uma situação que necessita do acompanhamento e intervenção de pessoas de fora.”

Falta de itens e superlotação

Outra crítica é que, ao falar quanto gasta com o sistema prisional, o Estado divide o orçamento geral da área pelo número total de presos. “Esse valor fica em torno de R$1.300,00 anuais, mas trata-se do custo de todo o sistema prisional, incluindo a infraestrutura, e não do preso em si. Uma ínfima parte deste orçamento é utilizada para mantê-lo na prisão. Em Itirapina, na Penitenciária II, foram gastos aproximadamente R$ 22,00 por preso em 2012. Em Diadema, no CDP, esse gasto foi de cerca de R$ 11,00″, relata.

A consequência dessa situação é que são os familiares e as organizações da sociedade civil como a Pastoral que os abastecem com itens de necessidade básica como chinelos, roupas, pasta de dente, etc. “Os artigos 10, 11 e 12 da Lei de Execuções Penais determinam que o Estado deve fornecer esses itens”, informa. Os que não recebem visitas precisam comprar de outros presos, ou recebem via correio ou mesmo de doações de outros detentos.

Godoi constatou também a superlotação na grande maioria dos presídios: eles estão mais ou menos lotados conforme a unidade. “Em 2013, os CDPs [Centros de Detenção Provisória] apresentaram uma superlotação de 146,7%; já as penitenciárias, de 81,5%.”

O pesquisador pôde perceber a dinâmica social vivenciada pelos familiares dos presos ao acompanhá-las nos hotéis, pousadas e meios de transportes criados nas cidades em função dos presídios. “O peso econômico dessas atividades é mínimo quando comparamos com a importância da cultura da cana-de-açúcar para essas regiões”, afirma. “Além disso, pode ocorrer conflitos com a população local devido ao preconceito, problemas com seguranças de lojas e estabelecimentos comerciais, revistas em hotéis, até agressões.”

A Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) conta atualmente com 163 unidades prisionais, sendo 15 Centros de Progressão Penitenciária, 41 Centros de Detenção Provisória, 22 Centros de Ressocialização, 01 Unidade de RDD, 81 Penitenciárias e 03 Hospitais. “Desde 2012, a SAP não libera os dados relativos ao número total de presos do sistema”, finaliza.

A pesquisa Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos foi apresentada em 19 de março de 2015 ao Departamento de Sociologia da FFLCH sob a orientação da professora Vera da Silva Teles.

Valéria Dias/Agência USP de Notícias

Mais informações: email rafael.godoi@usp.br

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