Fora da academia, cientista social também busca entender a realidade da população

O olhar crítico do cientista social não se volta apenas para o mundo das pesquisas acadêmicas nem e restringe à sala de aula.

O olhar crítico do cientista social não se volta apenas para o mundo das pesquisas acadêmicas nem se restringe à sala de aula 

Avaliar o funcionamento da sociedade pode ser um instrumento poderoso para empresas que buscam entender seu público-alvo. Trabalhar nessa área foi a escolha da ex-aluna do curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Mariel Deak. Hoje gestora da empresa Plano CDE, ela desenvolve projetos usando a inteligência de mercado para compreender as realidades das classes médias e baixas da população.

“O que o curso mais contribuiu para minha formação foi me dar habilidades analíticas”, aponta a gestora. A partir da graduação, ela pôde avaliar as práticas sociais com outros olhos, atentando-se às hipóteses e explicações de uma forma mais ampla. Uma das características do curso de Ciências Sociais é abrir um leque de opções de trabalho, no entanto, ao se formar, o profissional pode ficar um pouco perdido e ter dificuldades em focar em uma área específica, menciona Mariel.

Aplicando o conhecimento no mercado

Os dados e gráficos sobre o comportamento do mercado começaram a fazer parte da vida de Mariel quando ela passou a integrar equipes de empresas como a CDE, onde trabalha atualmente, e a Millward Brown. A CDE apresenta como objetivo proporcionar impacto social produtivo para pessoas de classe média e baixa da população. Dessa maneira, busca pensar em propostas que melhorem a educação, saúde, saneamento e a situação financeira dessas pessoas.

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

As Ciências Sociais permitiram que Mariel entendesse melhor os comportamentos e práticas dessa camada da sociedade. Conforme a gestora, hoje há diversos discursos equivocados e preconceituosos sobre o modo de vida das pessoas mais pobres. Muitos questionam o porquê de um morador da periferia viver em uma casa precária, mas possuir uma televisão de plasma, por exemplo. No entanto, ela destaca que esse objeto de consumo tem uma grande relevância para essas famílias, proporcionando lazer e entretenimento às crianças e garantindo, muitas vezes, sua segurança, já que saem menos de casa.

A internet também pode ajudar na educação dos filhos pois, geralmente, os pais não têm escolaridade suficiente para ajudá-los na escola. As pesquisas na web, então, se tornam um suporte pedagógico para esses estudantes. De acordo com a cientista social, a antropologia ajuda a entender tais dinâmicas e perceber que esses cidadãos não são ignorantes, pelo contrário: usam esses objetos de consumo inteligentemente adaptados à sua realidade.

A gestora também salienta que apesar de estarmos vivendo um momento de crise econômica, o que foi conquistado pela população CDE nos últimos dez anos não vai desaparecer, pois hoje o público já é mais escolarizado. Segundo Mariel, as famílias não vão cortar a internet de casa, por exemplo, já que isso é um meio de segurança e lazer para os filhos. Provavelmente haverá uma diminuição de consumo de produtos considerados supérfluos e troca por marcas mais baratas. “O que pode ocorrer é uma diminuição da expansão da classe média”, avalia.

A rotina de trabalho

“Coordenação” é a palavra que melhor define a função do gestor. O dia a dia de Mariel compõe-se de uma rotina agitada, que envolve trabalho de campo, reuniões com clientes e demoradas conversas ao telefone. Além disso, ela também precisa dialogar com parceiros internos e externos, gerentes e estagiários.

Segundo a gestora, cada projeto da empresa pode demandar metodologias de trabalho diferentes. Para fazer uma pesquisa com educação, por exemplo, é necessário entender como funciona a cabeça dos jovens. Assim, é possível chamar alguns deles para uma roda de conversa. Há também a alternativa de realizar entrevistas individuais, que são mais profundas. Já se o alvo são os dados objetivos, o ideal são pesquisas quantitativas.

Uma das metodologias de trabalho é o painel etnográfico, que tem um pé na antropologia. Mariel menciona que, nesse caso, os pesquisadores estão presentes diariamente na vida das pessoas. Acompanham os pais quando esses levam os filhos à escola e vão ao supermercado. Além de analisar também o contexto das famílias, observando suas dificuldades e oportunidades.

Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Uma experiência com essa metodologia foi encomendada pelo Banco Mundial. A pesquisa realizou um acompanhamento diário de pessoas que recebem o Bolsa Família. Foram seis meses de trabalho para entender como elas usavam o dinheiro para gerar renda e como isso afetava o empoderamento das mulheres.  

Muito dos projetos desenvolvidos por Mariel promovem pontes entre a inteligência de mercado e o impacto social produtivo. Um deles, realizado para atender a Fundação Lemann, busca entender a questão da educação no Brasil, olhando para os problemas do ensino público no país.

Essa instituição vem protagonizando as discussões relacionadas à Base Nacional Curricular Comum do Ministério da Educação (MEC), medida que visa indicar os conhecimentos essenciais que todos os estudantes têm o direito de ter. Desse modo, a empresa Plano CDE realizou pesquisas explorando o tema e depois elaborou um plano de ação junto à Fundação. No trabalho para o cliente, foram entrevistados quase 200 especialistas, jovens, empreendedores e empregadores para entender quais são os problemas do currículo básico do Brasil. A partir desse projeto, a instituição traçou estratégias para contribuir com a construção da Base Curricular. “É a pesquisa que subsidia essas estratégias”, ressalta Mariel.

 

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