Colírio anti-inflamatório pode tratar queimadura no olho

Em pacientes com síndrome do olho seco, colírios aceleraram a recuperação da córnea e melhoraram a cicatrização.

Em pacientes com síndrome do olho seco, colírios aceleraram a recuperação da córnea e melhoraram a cicatrização

Em pessoas com síndrome do olho seco, queimaduras provocadas por substâncias alcalinas (alcalis) pioram a situação da parte transparente do olho, a córnea, pois há maior risco de inflamação e a cicatrização, além de ser mais demorada, causa opacidade na visão. Para evitar maiores danos ao olho, uma pesquisa da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP testou a utilização de dois colírios anti-inflamatórios, dexametasona e doxiciclina, em experiências com camundongos. Os colírios aceleraram a recuperação da córnea e melhoraram a cicatrização, além de facilitarem o controle de inflamações.

O olho seco é uma doença que atinge preferencialmente mulheres e sua incidência aumenta a partir dos 40 anos de idade. “Nem todas as pessoas com olho seco terão a mesma doença; uns terão doença leve enquanto outros podem ter olho seco incapacitante por causa de visão borrada. Estes casos mais graves tendem a acontecer com pacientes que tem Doença de Sjogren”, explica a médica Cintia de Paiva, que realizou a pesquisa. “Os sintomas muitas vezes não são específicos. A apresentação clínica varia, mas de maneira geral os pacientes se queixam de sensação de areia nos olhos, ardido, queimação e visão borrada”.

Queimaduras alcalinas ocorrem quando um alcali (substâncias como soda cáustica, cimento, produtos de limpeza) caem no olho e causam uma queimadura na sua superficie do olho. “Ela pode atingir tanto a córnea, que é a parte transparente do olho, similar a um vidro de relógio) ou a conjuntiva, a mucosa que cobre a esclera, normalmente conhecida como ‘branco do olho’”, explica Cintia. As queimaduras da córnea podem acontecer em procedimentos cosméticos tipo “peeling” onde acidentalmente o olho é atingido, acidentes industriais com explosões ou mesmo em guerras, durante ataques com armas químicas. “Quando pequenas, a recuperação das queimaduras” é normalmente rápida, no entanto, quanto maiores podem causar opacificação da córnea e perda da visão.

A pesquisa verificou que a combinação da síndrome do olho seco com queimaduras alcalinas piora muito o prognóstico da córnea. “Ela porque atrasa a cicatrização, aumenta os marcadores de inflamação e causa uma cicatrização com sequela, ou seja, opacidade”, destaca a médica. “Isto tudo foi acompanhado por um aumento grande de neutrófilos, que são as primeiras células a migrar quando existe uma ferida”.

Fechamento de ferida

O estudo criou um modelo de fechamento de ferida mais grave que o atualmente utilizado e testou a eficácia de colírios anti-inflamatórios durante este processo. “As feridas corneanas melhoram espontaneamente em camundongos entre 24 e 48 horas. Nossa intenção inicial era retardar este fechamento da ferida”, descreve Cintia. “Por isso, a pesquisa combinou os modelos de queimadura alcalina com soda cáustica com o olho seco ambiental. No entanto, a intenção sempre foi testar terapias, nesse caso, os dois colírios anti-inflamatórios”.

A pesquisa testou dois colírios anti-inflamatórios que nos EUA são usados “off-label” (fora das indicações da bula do medicamento) para tratar olho seco, o colíro de dexametasona e colírio de doxiciclina. “Ambos são substâncias anti-inflamatórias usadas pra controlar a resposta imunológica ou inflamatória. Na oftalmologia, colírios com corticoide são usados geralmente por períodos curtos devido ao risco de desenvolver glaucoma e catarata com uso prolongado”, afirma a médica. “Estes colírios foram escolhidos por terem sido previamente utilizados em modelos animais de olho seco com grande eficácia. Os camundongos com queimadura alcalina e olho seco foram tratados quatro vezes por dia durante dois a cinco dias”.

De acordo com Cintia. os resultados da terapia foram excelentes. “O uso precoce auxilia muito a recuperação da córnea, facilitando o controle de marcadores de inflamação e melhorando a cicatrização”, destaca. “Não foi observada nenhuma perfuração corneana durante o tratamento, o que é um fato importante, pois existe há uma controvérsia surgida a partir dos resultados de pesquisas em modelos de queimadura alcalina com coelhos onde o uso de corticosteroides (anti-inflamatórios) levaram a perfuração da córnea”.

Segundo a pesquisadora, os resultados que indicavam a perfuração foram divulgados em trabalhos internacionais publicados em 1970. “No entanto, estes experimentos usaram uma concentração de soda cáustica maior e menor tempo de irrigação da córnea”, conta. “Deste então, muitos trabalhos científicos demonstraram que o uso de corticosteroides é seguro e ajuda no tratamento, mas mesmo assim existe uma resistência muito grande ao uso do corticoide na prática clínica. Esta pesquisa demonstrou justamente o contrário deste dogma”. A pesquisa foi orientada pelo professor Eduardo Melani Rocha, do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia da Cabeça e Pescoço da FMRP.

Júlio Bernardes / Agência USP de Notícias

Mais informações: email cintiadepaiva@gmail.com

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