Mestranda da EERP pesquisa sexualidade de pacientes com câncer ginecológico

Estudo da enfermeira Simone Mara de Araujo Ferreira foca no tabu que a sexualidade se torna na vida das pacientes dos tipos de câncer ginecológico.

Sandra O. Monteiro/Agência USP de Notícias

A falta de tempo que impede um aprofundamento da relação entre o profissional de saúde e as pacientes com câncer ginecológico e mamário, a ausência de espaços físicos mais reservados para falar sobre o assunto e o despreparo para lidar com a sexualidade dessas pacientes de modo natural são alguns aspectos destacados em uma pesquisa sobre o tema realizada no Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), da USP.

A dissertação de mestrado foi elaborada pela enfermeira Simone Mara de Araujo Ferreira e apresentada na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP), da USP, sob a orientação da professora Ana Maria de Almeida. A enfermeira realizou uma pesquisa qualitativa com o objetivo de analisar se a sexualidade é uma das dimensões do cuidado de enfermagem de mulheres com câncer ginecológico e mamário.

O trabalho realizado no Ambulatório de Mastologia e Oncologia Ginecológica e na Seção de Enfermagem da Unidade de Ginecologia do HC. Nestes dois locais, além de estar presente como observadora-participante dos serviços, fez 16 entrevistas individuais e semi-estruturadas com profissionais da equipe de enfermagem.

Os dados obtidos foram organizados em quatro unidades temáticas: a doença e a sexualidade da mulher: reconhecendo o problema; a sexualidade como dimensão de cuidado da enfermagem; identificando barreiras na abordagem da sexualidade e reconhecendo a necessidade de reestruturação da assistência prestada.

Sexualidade e cuidados

De acordo com a pesquisadora, o corpo enfermo não deve ser a única preocupação dos profissionais, pois há comprometimento físico e psicológico. “Quando uma mulher sofre um procedimento mais invasivo como a retirada de um seio ou do útero, isto afeta a auto-estima”, afirma. Os relatos das profissionais mostram que há casos de pacientes que choram por se sentirem ‘ocas’ sem o útero e, principalmente, pelo medo de não serem mais tão atrativas (tão mulheres) para seus maridos, além do medo do abandono. “As mulheres manifestam o desejo de reconstruir a imagem física”, explica.

Ela conta que, de um modo geral, as entrevistas trouxeram as vivências de cada profissional e revelaram as influências da cultura brasileira sobre a forma de lidar com a sexualidade. Não foi difícil constatar nos depoimentos o quanto a mulher é reprimida na sociedade brasileira, sendo que muitas negam a existência da sexualidade. Uma das ideias mais propagadas entre as profissionais e as pacientes é que “pensar em sexo parece ser incabível no momento da doença. Sexo é prazer e as pacientes estão ali para cuidar da doença, precisam se concentrar na cura”. E isto acontece muitas vezes por que o sexo ainda é um tabu, “algo que deve ser tratado em segundo plano, escondido ou camuflado, como se fosse um pecado”, completa.

Quanto à percepção e aos cuidados, a enfermeira diz que os profissionais conseguem identificar o comprometimento na sexualidade das mulheres decorrente dos tratamentos contra o câncer, como os problemas decorrentes da mutilação, perda da vaidade, medo de não agradar e satisfazer seus parceiros. Entretanto, a sexualidade é tratada de forma descontinuada e não sistematizada, embora muitas vezes de maneira irreverente e com bom humor. Uma das entrevistadas disse: “O que falta para vocês é inventar, usar a imaginação. Tem de abusar da lingerie, apagar a luz, usar lubrificante”. Entretanto, não é sempre que há esta abertura.

Despreparo

A pesquisadora também se deparou com o fato de o profissional que auxilia a paciente ser, na maioria das vezes, do sexo feminino. “Muitas vezes ela se identifica com a condição das mulheres em tratamento. A proximidade e o envolvimento suscitam uma vulnerabilidade”. Há, pelo que a pesquisadora pode perceber, a necessidade de se adotar um distanciamento.

Nos depoimentos, as próprias profissionais revelaram a falha, não só emocional, mas técnica. Uma das enfermeiras da unidade de internação refletiu, por exemplo, sobre a necessidade de maior instrução, treinamento sobre o que falar, como falar, como proceder a abordagem.

Barreiras institucionais

Uma das barreiras foi a permanente troca das profissionais devido aos diferentes turnos. Com o rodízio de setores é difícil estabelecer um contato maior entre as pacientes e os membros da equipe. “Não são todas as mulheres que falam abertamente sobre sexo e a ausência de uma maior relação de intimidade dificulta ainda mais o processo de abordagem da sexualidade.”

Outra questão é a ausência de um local mais reservado para conversar sobre assuntos mais íntimos. “Esta abertura ocorre em locais mais privados, em que só estão presentes a paciente e a enfermeira”, diz. Entretanto, a dificuldade em muitos dos depoimentos prestados também faz referências à rapidez com que devem ser realizados os procedimentos, ao grande número de pacientes e ao restrito número de funcionárias do HC. 

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