Vizinhos, USP e Instituto Butantan mantêm estreita relação científica

Proximidade física e acadêmica estimula intercâmbio de conhecimentos e pesquisadores entre as instituições.

Danilo Bueno, especial para o USP Online

Muitas pessoas têm a falsa impressão, ao passar em frente ao portão do Instituto Butantan na Cidade Universitária, que o centro de pesquisas é parte integrante da USP, assim como inúmeros outros institutos. O equívoco é natural, quando se leva em conta a proximidade física e o importante papel que ambas instituições representam para o desenvolvimento científico nacional.

“Pouca gente sabe que o Instituto Butantan chegou aqui bem antes da USP”, explica o pesquisador Ivo Lebrun, formado em Química e Farmácia pela USP e atual diretor da Divisão Científica do instituto. Inicialmente vinculada ao Instituto Bateriológico (atual Adolpho Lutz), a instituição foi criada pelo governo do Estado de São Paulo para combater uma epidemia de peste bubônica que se alastrou no porto de Santos em 1899.

Em 1901 foi reconhecida como instituição autônoma, com o nome de Instituto Serumtherápico, sendo designado para primeiro diretor o médico Vital Brazil Mineiro da Campanha, que hoje dá nome a avenida nas proximidades. Já a USP só viria a ser criada em 1934, com o objetivo, entre outros, de ampliar a influência do Estado de São Paulo pela via da tecnologia e da educação, após a Revolução de 1932.“A epidemia de peste bubônica tinha importantes implicações econômicas, já que a economia cafeeira do Estado dependia do escoamento da produção para o exterior”, explica o pesquisador.

Apesar de ter sido fundado para combater a peste bubônica, o reconhecimento nacional e internacional do Instituto Butantan veio junto àquela que é ainda hoje uma de suas atividades principais: a produção de soros para o tratamento de picadas de animais peçonhentos.

Com o tempo, o Butantan ganhou outras atribuições, e hoje é um dos 17 institutos de pesquisa ligados às secretarias do governo do Estado de São Paulo, tendo como foco além da pesquisa na área de imunobiologia e venenos de animais, a produção de insumos de saúde pública e a difusão cultural para a prevenção de acidentes, sendo responsável pela fabricação de 93% das vacinas e soros fabricados no País.

Em 2011, ano em que comemorou os 110 anos de sua fundação, o Instituto Butantan foi destaque nos noticiários com a entrega do primeiro lote de vacinas contra a gripe inteiramente produzido no Brasil. Isso só foi possível com a inauguração, em 2007, de um complexo industrial capaz de fabricar vacinas contra os vários subtipos do vírus Influenza, como o H1N1, gripe suína, H5N1 e gripe aviária. O complexo recebeu ao todo R$ 100 milhões em investimentos do governo estadual.

Desde 2009, a instituição passou a ser considerada entidade associada à USP. Essa aproximação formal, aprovada pelo Conselho Universitário (CO), visou aumentar o intercâmbio científico entre as duas entidades, facilitando o estabelecimento de convênios e parcerias. De acordo com o professor, os benefícios da formalização aparecem aos poucos: “esta nova condição vai tornar mais fluidas as relações entre a USP e o Instituto Butantan”, afirma.

Interação

Segundo Lebrun, grande parte da excelência das instituições vizinhas se deve à intensa interação entre elas. “Ciência é uma atividade multidisciplinar, que exige troca de conhecimento entre áreas diversas. É um espaço em que todos estão interagindo a todo momento”, explica. Para o pesquisador, um dos destaques desta interação é a união entre a expertise da USP na produção de conhecimento teórico e a do Instituto Butantan, na aplicação prática.

“As novas vacinas que estão surgindo são um exemplo desta relação”.

De acordo com ele, grande parte da produção do Instituto Butantan tem participação da USP, seja de forma direta, com o trabalho de pesquisadores vinculados à Universidade, seja de forma indireta, com a formação de pesquisadores em várias áreas do conhecimento.

“O nível técnico dos cientistas é um elemento muito importante dentro de um instituto de pesquisa”.

Boa parte dos 160 estagiários que trabalham atualmente no Instituto são alunos de graduação da USP. “Neste ponto, a proximidade física é fundamental, já que os estudantes, que já têm outras preocupações como provas e trabalhos, não precisam se deslocar para longe”. A Universidade também tem um papel importante na formação dos pesquisadores. “A maior parte é oriunda de cursos da Cidade Universitária”, afirma Lebrun, que além das duas graduações, defendeu mestrado e doutorado na USP.

Ensino

Essa interação se manifesta também no ensino, que é onde se dá parte importante da troca de conhecimentos entre as instituições. É o caso do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Biotecnologia, que ocorre em uma parceria entre o Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, o Instituto Butantan, e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Além das aulas, que serão ministradas por professores das três instituições, a parceria prevê também o compartilhamento de parte da estrutura física das unidades, como laboratórios e biblioteca.
A proximidade física e acadêmica estimula ainda a participação da comunidade universitária nos cursos que são coordenados apenas pelo Instituto Butantan, como é o caso do Programa de Pós-Graduação em Toxinologia, que tem como foco o estudo de toxinas e venenos de origem vegetal, animal ou microbiana.

Para os estudantes de graduação, o instituto oferece ainda vários cursos livres, sobre Insetos Venenosos, Soros e Vacinas, Farmacovigilância de Vacinas e Soros, entre outros.

Pesquisas

Lebrun explica que, como instituições públicas, tanto as pesquisas do Instituto Butantan quanto da USP têm em comum uma tradição de responder aos anseios da sociedade, procurando soluções que não encontram espaço na iniciativa privada, como é o caso da fabricação de soros para o tratamento de picadas de animais peçonhentos. “Em determinado momento, as empresas viram que não era interessante economicamente esta produção. Daí a importância do Estado em suprir esta demanda”, afirma. E para ele, a responsabilidade do Estado continua quando as vacinas já estão prontas.

“Imagine se não houvesse uma política pública de vacinação. As pessoas teriam que pagar por cada uma daquelas vacinas básicas que tomamos durante a vida. Pela falta de dinheiro, muita gente acabaria ficando desprotegida.”

Um exemplo de problema de saúde que exige a participação do setor público na busca de uma solução é a Dengue. O Instituto Butantan estuda atualmente a possibilidade de iniciar testes clínicos para testar uma possível cura para a doença. “Temos algo que potencialmente pode ser uma vacina, mas ainda existe um longo caminho pela frente”.

Um dos maiores problemas no desenvolvimento de uma vacina que acabe de vez com a doença – que provocou mais de 300 mortes no País em 2010 e teve mais de 1 milhão de casos suspeitos, de acordo com o Ministério da Saúde, é garantir que uma possível imunização não aumente as chances da incidência de um quadro hemorrágico. E para isso é necessário que se produza pesquisa de excelência. “Imagine a responsabilidade de produzir uma vacina que vai ser aplicada em toda uma população. Nós precisamos garantir que ela seja segura e eficiente.” 

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