Antropóloga da FFLCH aponta que transformação no processo de gestão afeta projetos sociais

Ela constatou a existência de “emaranhados institucionais” de combate a pobreza. São relações interligadas, tanto de curto ou longo alcance: uma espécie de rede que envolve a relação entre as Organizações não-governamentais internacionais (ONGs), as associações de bairro, as agências multilaterais, como o Banco Mundial, as secretarias municipais e as fundações ligadas a empresas.

Valéria Dias / Agência USP de Notícias

A partir da análise etnográfica de três projetos sociais de Recife e Olinda, em Pernambuco, a antropóloga Catarina Morawska Vianna acompanhou o processo de profissionalização que essas entidades sofreram ao longo da década. Ela constatou a existência de “emaranhados institucionais” de combate a pobreza. São relações interligadas, tanto de curto ou longo alcance: uma espécie de rede que envolve a relação entre as Organizações não-governamentais internacionais (ONGs), as associações de bairro, as agências multilaterais, como o Banco Mundial, as secretarias municipais e as fundações ligadas a empresas.

“E é por meio dessas interligações que as novas técnicas de gestão e agendas temáticas se disseminam. Se um dos projetos sociais não se adapta às constantes mudanças que estes canais trazem, ela tenderá a ficar de fora destes emaranhados. E isso pode ameaçar a sua sobrevivência caso não tenha fonte própria de recursos. É interessante pensar nas mudanças que ocorrem nas ONGs no Brasil a partir dessas agendas e técnicas disseminadas internacionalmente”, aponta a antroṕologa.

De acordo com Catarina, o estudo não teve o objetivo de dizer se a mudança no processo de gestão era algo bom ou ruim. “Trata-se de um estudo etnográfico, ou seja, a ideia era observar, acompanhar e relatar, sem julgamento, esses emaranhados institucionais que envolvem os diversos atores dos projetos”, diz. Este tipo de estudo é um método usado em Antropologia Social que possibilita a vivência direta da realidade.

Catarina estuda o tema desde a década de 2000, quando foi trabalhar como voluntária na The Catholic Agency For Overseas Development (CAFOD), ONG internacional de médio porte que tem a chancela dos bispos da Inglaterra e País de Gales. A arrecadação total é de 50 milhões de libras anuais (sendo 30 milhões de doações dos católicos das paróquias inglesas, além do dinheiro do governo inglês e de outras agências financiadoras). “No Brasil, seria o equivalente a Caritas”, explica. Esse dinheiro é enviado para projetos sociais em diversas partes do mundo. Inclusive para os três trabalhos sociais que a pesquisadora tomou como objeto de estudo em seu doutorado, defendido na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, por intermédio de um doutorado-sanduíche realizado na Universidade de Londres.

Os três projetos eram: Galpão dos Meninos e Meninas de Santo Amaro, do Recife, o Grupo Sobe e Desce, do Centro Histórico de Olinda, e o Grupo Comunidade Assumindo Suas Crianças (Peixinhos), também de Olinda. Todos atuavam com crianças e adolescentes de comunidades carentes e eram financiados pela CAFOD desde a década de 1990, sendo denominados como “Projeto Tarrafa”, em alusão à pequena rede usada por pescadores em Pernambuco.

Catarina fez um trabalho de campo durante 6 meses nos três projetos e por 1 ano na CAFOD, em Londres. Ela acompanhou visitas da equipe da ONG a São Paulo entre 2005 e 2010. “Foi uma pesquisa baseada na observação participante dentro das organizações envolvidas; em documentos arquivados na CAFOD, e em entrevistas com católicos doadores em Londres, funcionários da agência internacional e educadores populares em Recife e Olinda”, explica.

Novas técnicas de gestão

Até a década de 2000, o dinheiro enviado pela CAFOD era administrado por um padre. “Após esta data, a CAFOD passou a implementar um processo de profissionalização em que todos precisaram se adaptar a novos sistemas de gestão”, explica Catarina. Uma das orientações era: os projetos sociais deveriam se fortalecer e se tornar autossuficientes, buscando outras fontes de recursos, além da doação da CAFOD. Tornou-se necessário a implantação de sistemas de gestão e monitoramento dos recursos e atividades, além do envio periódico de relatórios e prestação de contas, e a contratação de pessoal técnico especializado.

Esta nova realidade causou impactos nas três instituições. “O Galpão se adaptou muito bem; A comunidade Peixinhos, razoavelmente bem, e o Grupo Sobe e Desce rompeu com o Projeto Tarrafa”, conta.

Visões descompassadas

Outra conclusão da pesquisa é que esses emaranhados se sustentam por meio de visões diferentes do mundo. São projetos distintos: o Reino de Deus na terra (no caso dos católicos ingleses); a luta por políticas públicas (no caso das comunidades em Olinda e Recife); e a redução dos índices de pobreza (no caso dos especialistas das ONGs). “Para esses emaranhados se manterem, são necessários mecanismos que garantam que estes diferentes mundos simbólicos se relacionem, como elos de uma corrente”, destaca a antropóloga.

A orientação da pesquisa, que foi defendida em agosto de 2010, foi do professor Julio Assis Simões. A pesquisa — um doutorado direto — recebeu menção honrosa no Prêmio Capes de Teses 2011. O trabalho contou com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq).

Mais informações: email acatamv@gmail.com, com Catarina Morawska Vianna 

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