Pesquisadora do Procam revela que reportagens sobre poluição são desconexas e alarmistas

Segundo a jornalista Daniela Vianna, autora da tese de doutorado "A cobertura jornalística sobre poluição do solo por resíduos: uma análise da produção dos jornais O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo da Rio-92 a 2007", essas características não permitem que a visão sistêmica esteja presente na cobertura jornalística sobre as questões ambientais.

Giovanni Santa Rosa / Agência USP de Notícias

A cobertura da grande mídia sobre casos de poluição do solo por resíduos ainda é pouco investigativa, burocrática, dependente de notas oficiais de governos e empresas e pouco capaz de lidar com questões complexas e incertezas. Esse é o diagnóstico de uma pesquisa feita no Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (Procam) da USP.

Segundo a jornalista Daniela Vianna, autora da tese de doutorado A cobertura jornalística sobre poluição do solo por resíduos: uma análise da produção dos jornais O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo da Rio-92 a 2007, essas características não permitem que a visão sistêmica esteja presente na cobertura jornalística sobre as questões ambientais. As reportagens e notícias, na maioria dos casos, tratam os envolvidos de maneira reducionista, dividindo-os em mocinhos e bandidos. Também é comum a divisão entre “lado” e “outro lado”, que não abrange toda a complexidade dos problemas ambientais. Já a população afetada é retratada quase sempre como uma vítima impotente e incapaz de resolver seus problemas sem a interferência de outros atores, como governos, órgãos técnicos ou empresas.

O estudo foi orientado pelos professores Wanda Maria Risso Günther, da Faculdade de Saúde Pública (FSP), e Pedro Roberto Jacobi, da Faculdade de Educação (FE) e atualmente presidente do Procam. Analisando 557 matérias publicadas entre 1992 e 2007 nos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, a pesquisa também aponta que repórteres mais experientes na cobertura de temas ambientais conseguem lidar melhor com as incertezas científicas e trabalham com uma maior diversidade de fontes na matéria. Tal abordagem resulta em textos menos sensacionalistas e com maior contextualização dos fatos.

No entanto, Daniela ressalta que tais profissionais se especializam na área por iniciativa própria: não se observa, nas grandes empresas jornalísticas, a existência de programas institucionais que permitam a melhoria da cobertura sobre as questões ambientais ou que incentivem jornalistas que decidem se aprofundar na área. “A experiência vem por um desafio pessoal do próprio repórter. Ela vem apesar das redações, e não por causa delas”, diz a pesquisadora.

A autora também afirma que muitas das dificuldades da cobertura sobre a complexidade dos temas ambientais são causadas pela própria crise que se impõe nas redações nos últimos anos, não só no Brasil, mas também na Europa e nos Estados Unidos. Gradativamente, o número de profissionais diminui e a quantidade de trabalho aumenta, já que muitas redações – e seus respectivos jornalistas – estão assumindo a produção de conteúdo para veículos impressos e para os portais online de notícias. “A indústria de notícias está em crise. É uma crise do papel e de papéis.”

Recomendações

Mesmo com as dificuldades da profissão, Daniela aponta algumas atitudes que jornalistas podem adotar para melhorar a cobertura ambiental, como fazer apurações in loco, vivenciando a experiência sensorial sempre que possível; visitar os locais e buscar estabelecer interconexões e links entre os aspectos ambientais e as questões sociais, econômicas, políticas e históricas, por exemplo. A pesquisadora sugere, ainda, que os jornalistas aceitem as incertezas e busquem lidar com o discurso das probabilidades.

Por fim, recomenda atenção redobrada ao discurso predominante, deixando de lado a ingenuidade e tendo em mente que não existem fontes isentas: todas defendem determinado ponto de vista. Cada vez mais, políticos e grandes corporações investem em profissionais qualificados para as suas assessorias de comunicação. “Nas redações, em meio à pressa de noticiar e à falta de investimentos em jornalismo investigativo, releases muito bem escritos e convites para viagens guiadas caem como uma luva. Existe toda uma poderosa estrutura para manter tudo como está.”

No entanto, a pesquisadora alerta: “Não se pode confundir jornalismo ambiental com ativismo, para não perder a credibilidade”. Mesmo assim, ela destaca que o dever do jornalista é incomodar e mexer com estruturas e padrões vigentes na sociedade. “Essa é uma das premissas que norteia os debates e o trabalho de profissionais que integram a Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental”, destaca a pesquisadora, que é membro da Rede desde 2004.

Diante da crise ambiental, Daniela considera que a mídia é essencial para o debate público. “A forma como a mídia cobre as questões ambientais pode ser um divisor de águas entre uma sociedade preparada para conduzir o debate e uma sociedade que só assiste a ele sendo conduzido por instituições que querem manter o status quo ou imprimir o ritmo lento da mudança, a despeito do sentido de urgência que envolve a busca por soluções imediatas para evitar impactos ainda maiores causados pela ação do homem na natureza.”

Mais informações: email vianna.dani@gmail.com

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