Acesso indígena à internet concilia culturas, aponta estudo da FFLCH

A produção virtual indígena depende do consenso nas comunidades e da disponibilização de máquinas e técnicos

Mariana Melo / Agência USP de Notícias

Uma avaliação do discurso presente em blogs e sites indígenas aponta que a comunicação produzida por índios na internet é dirigida muito mais para a conciliação entre saberes do que no destaque das diferenças culturais. A avaliação foi feita na dissertação de mestrado Perspectivas indígenas sobre e na internet: ensaio regressivo sobre a construção e o uso da comunicação em grupos ameríndios do Brasil do antropólogo Nicodème de Renesse, realizada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, sob orientação da professora Dominique Tilkin Gallois.

Para a pesquisa, foi feito um levantamento entre julho de 2010 e julho de 2011 de sites e blogs nos quais a titularidade era declaradamente indígena. Esses sites eram desde representantes diretos das comunidades até blogs de associação de moradores e músicos locais. Dos 77 endereços eletrônicos contabilizados por Nicodème, a produção de quatro grupos foi destacada: Ikpeng, Kuikuro, Yanomami e Suruí. A intenção era entender que motivação levava grupos ou sujeitos indígenas a publicar na web, diante do significativo investimento, principalmente por parte dos Ministérios das Comunicações, da Cultura e do Planejamento, em políticas públicas de inclusão digital para aldeamentos indígenas.

Nicodème não achou pertinente investigar o uso das redes sociais para o ensaio, ainda que reconheça o sucesso dessas mídias na inserção digital das pessoas. Segundo ele “a ideia não era avaliar a comunicação em círculos privados e/ou em registros domésticos” porque o que seria observado era a forma como essas comunidades se representavam em discursos públicos e no registro político nas plataformas digitais.

Para o pesquisador, o esforço em apropriar-se da internet não opõe-se às outras aptidões tidas como tipicamente indígenas e demonstra a tentativa dos índios de expor a sua cultura de forma a se fazerem entender. Segundo ele “não há cibercultura, mas sim cultura; o estudo da internet não nos ensina coisas só sobre a internet, mas sobre a maneira de compreender o mundo em geral”.

Simpósio

Na primeira parte da pesquisa, Nicodème acompanhou as discussões do primeiro Simpósio Indígena sobre Usos da Internet no Brasil, realizado em 2010 pelo Centro de Estudos Ameríndios (CEstA) da USP. Neste simpósio, 24 lideranças indígenas vieram à USP para debater projetos ligados à inserção das comunidades à rede online. O pesquisador percebeu que algumas comunidades estavam em estágios diferentes de apropriação da internet, pois não havia consenso sobre a importância da apropriação digital dentro de algumas comunidades, principalmente entre os mais velhos e os mais jovens. As comunidades que conseguiram articular melhor esse debate estavam mais inseridas na utilização da rede.

Ainda, para o antropólogo, é possível verificar impactos da comunicação na configuração política da comunidade, pois, assim como a organização política influencia os projetos de inclusão digital, o mesmo acontece no sentido inverso. Questões que envolvem comunicação tem forte incidência nessa organização, porque as lideranças das comunidades estudadas, que não constituem modelos fixos, foram reavaliadas e modificadas em função das necessidades de comunicação e da implementação de projetos de inclusão digital.

No simpósio, Nicodème também pode observar queixas quanto à efetividade dos projetos de inserção digital, por problemas estruturais, como máquinas quebradas, falta de suporte técnico para capacitar os índios ao uso dos computadores e também falhas de coordenação entre as etapas do projeto, desde a disponibilização das verbas para este fim até a instalação dos pontos de sinal e máquinas.

Mais informações: email nicodemederenesse@usp.br

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