Para pesquisador da FE, game colaborativo mostra interlocuções biopolíticas

Conduta em jogo “on line” combina exercícios de sociabilidade inovadores e relações de poder tradicionais.

Mariana Melo / Agência USP de Notícias

As narrativas forjadas pelos participantes do jogo colaborativo on line World of Warcraft (WoW) criam interações que podem ser comparadas com a relação de governos com os seus cidadãos. Este foi um dos aspectos abordados pelo psicólogo Artur Chagas no estudo de mestrado O transbordamento do lúdico e da biopolítica em jogos Massive Multiplayer Online: um estudo sobre o World of Warcraft, apresentado na Faculdade de Educação (FE) da USP sob orientação da professora Flávia Inês Schilling.

Segundo Chagas, essa comparação é possível porque as ações de um personagem implicam em acontecimentos nas narrativas dos outros. Parâmetros de articulação são definidos, e um código ético é criado para evitar conflitos e ações inadequadas. Os jogadores obedecem um guia que define as condutas dos seus personagens e, além disso, cria-se entre os usuários uma linguagem que serve como articuladora das ações do jogo. Há ainda a construção de sociedades hierarquizadas similares às relações comportamentais e sociais tradicionais.
O WoW faz parte dos chamados Massive Multiplayer Online, jogos nos quais as pessoas podem jogar on line colaborativamente, de vários pontos no mundo. O jogo se assemelha aos clássicos role-playing games (RPG), nos quais a alta interatividade permite aos personagens/jogadores criarem histórias em conjunto. O público é formado tanto por jovens quanto adultos. No entanto, o WoW apresenta alguns diferenciais que tornam possível uma associação mais próxima com a realidade, como a necessidade dos personagens adotarem profissões, e a possibilidade de crescer hierarquicamente nestas sociedades para adquirir “reputação”.

Sociedade virtual e real

Além disso, há venda de mercadorias, úteis para a conquista de missões no jogo, o que cria um mercado paralelo. O jogo também impõe aos participantes a escolha de uma raça para interagir no universo criado e, com essa escolha, surgem as missões que devem ser conquistadas para ganho de reputação e avanço nas classes dentro da raça escolhida. Conforme o personagem ganha missões, ele ganha mais dinheiro e aumenta a sua reputação. Esse tipo de construção do jogo permite uma comparação entre a sociedade virtual e real. Segundo o pesquisador, observar esta construção “favorece a análise de que as formas de governo e de controle sobre a vida estejam cada vez mais apuradas, transbordando por todos os planos da existência.”

É possível verificar isso, segundo Chagas, na ampla gama de avatares que é possível formar ao iniciar no jogo. Mesmo com essa possibilidade, o jogador, ao entrar em algum grupo pré-formado de personagens, tem seu avatar selecionado pelos antigos jogadores, e vai jogar conforme as definições estabelecidas por estes, para preencher funções defasadas na narrativa em curso. Inclusive, o momento no qual todos devem jogar é determinado pelos líderes, e todos os jogadores devem disponibilizar e compartilhar o tempo designado para realização das tarefas.

Na observação das relações entre o público consumidor e a empresa criadora do game, Chagas percebeu que a indústria estimula a participação dos seus clientes, por meio de um diálogo on line dinâmico, que permite que os interessados enviem dicas de aprimoramento do jogo, críticas e opiniões sobre o produto. Ou seja, a empresa procura destinar um espaço para atuação de seu público de forma que este seja uma espécie de co-autor do produto e identifique nessa participação uma proximidade maior com o jogo. Recentemente, uma atualização chamada Mists of Pandaria do jogo WoW foi lançada e, em uma semana, foram vendidas aproximadamente 2,7 milhões de expansões. Além disso, o número de assinaturas do jogo ultrapassou 10 milhões de pessoas no mundo.

Mais informações: email cybersein@yahoo.com.br, com Artur Chagas

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