Em busca de um modelo esportivo adequado para crianças vulneráveis

Pesquisa da EEFE critica modelo esportivo voltado somente para competição e alto rendimento.

Não basta entregar uma bola de futebol, dividir as crianças em dois times de 11 e esperar que todos os benefícios físicos e sociais do esporte aconteçam automaticamente. É preciso ter um projeto pedagógico que permita aos jovens colherem tudo de positivo que o esporte pode gerar.

Essa é a constatação de Carla Luguetti, doutoranda da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, em busca de um modelo que possa ser aplicado a jovens em situação de vulnerabilidade social. Mais do que torná-los atletas de [alto] desempenho, o principal objetivo é fazer com que o esporte os torne bons cidadãos e contribua para sua formação pessoal.

O foco são crianças entre 7 e 14 anos (ensino fundamental), considerando esporte praticado em outro período que não seja o das aulas. Ou seja, aquele que vai além da Educação Física. Carla buscará um modelo construído em pareceria com a criança e com o professor, algo colaborativo.

Para ela, um dos principais problemas dos jovens em questão é a falta de oportunidade e participação que têm na sociedade. “O grande problema da criança em vulnerabilidade social é que ela não tem voz, ela é oprimida”, relata. Mais do que isso, “a maioria dos programas de esporte é construída de cima para baixo. O técnico treinador impõe o que vai ser treinado, o que vai ser feito”.  Esta prática, segundo Carla, acaba não ajudando na formação social da criança e do adolescente.

O conhecimento prévio sobre o assunto foi adquirido em seu trabalho de mestrado, concluído em 2003. Ela avaliou diversos programas esportivos já existentes, em escolas privadas e públicas na cidade de Santos, e enxergou vários problemas, como a falta de um projeto universal. A principal conclusão do trabalho foi que professores, pais e pesquisadores sabem da importância do esporte para a criança, mas não como aplicá-lo de modo a se realizar uma transformação social.

“Ela [a transformação] pode ou não acontecer com a criança, mas não é uma coisa automática”, explica Carla. E o que ela revela também é a falta de diversidade esportiva, já que o futebol e o futsal ainda são esportes majoritários.

Esporte na Escola

Na dissertação de mestrado, Carla estudou como eram geridos os esportes em escolas municipais, estaduais e privadas da cidade de Santos, onde reside. “Na escola privada, eu vi um esporte voltado para a divulgação da escola, como um tipo de ‘marketing’. Não um esporte preocupado com a criança. Eu ouvi, nas vozes dos coordenadores, que ‘o pai deixa a criança aqui na escola e ela faz vôlei, basquete, handebol e não precisa levar para o clube, para facilitar’ “.

De acordo com Carla, o estado de São Paulo tem jogos escolares, com turmas de treinamento, voltados apenas para competição. Já o município chamou sua atenção com o Projeto Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, que oferece esporte em outro horário que não os das aulas. A ideia,  segundo ela, é sensacional: oferecer esporte justamente para criança em vulnerabilidade social, que não tem chances. “Aquela que,  quando muito, joga o futebol, que é praticado na rua. Que não tem acesso ao esporte formal, em termos de treinamento técnico”, descreve.

Pegando carona nesse projeto, Carla procura um modelo de como ensinar um esporte para o mesmo público. “Tem uma escolinha de futebol na periferia. O que se ensina lá? Será que basta ensinar passe, cabeceio ou será que deve haver uma estrutura diferente?”, questiona a pesquisadora.

Ela critica os modelos gerados apenas para competição e alega que isso pode até ser prejudicial para a criança. “Uma competição igual a de adulto, com uma pressão para qual a criança não está preparada, é um exemplo de situação em que o esporte pode não trazer os benefícios esperados”.

Pais e professores

Além de um bom programa para essas crianças, Carla destaca o papel dos pais e, principalmente, dos professores. “O que vemos  é que a criança entra em determinado  esporte por pressão do pai. Não é uma coisa saudável. O ideal é deixar ela escolher o esporte que quiser, de maneira independente”, recomenda, e completa a instrução afirmando que não há idade para que a criança comece no esporte, muito menos uma modalidade específica. Porém, “a criança tem que querer fazer”, ressalta.

Sobre os professores, a pesquisadora percebeu durante as entrevistas que eles entendem o lado afetivo do esporte – questões emocionais e pedagógicas envolvidas – mas não sabem as ferramentas para mobilizá-lo de maneira adequada.

“Os professores oferecem o esporte principalmente para alcançar objetivos afetivos e sociais, mais do que físicos. ‘Eu quero que essa criança seja mais responsável, mais autônoma, que saiba trabalhar em equipe’, dizem. Mas quando eu pergunto como é oferecido esse esporte, eles não sabem explicar. E não também sabem como ensinar isso, na maioria das vezes. Pensam que é algo automático, o que não é verdade – pode ou não acontecer”, explica.

Carla pretende passar os próximos meses avaliando um projeto já existente em Santos e, a partir disso pensar em um modelo mais integrado de gestão esportiva para crianças em vulnerabilidade social. A tese de doutorado Moving from what is to what might be: developing and empowering young people in Social  Vulnerability in after School sport in Brazil, orientada pelo professor Luiz Dantas, da EEFE e David Kirk, da Universidade de Bedfordshure (Inglaterra), deve ser concluída no final de 2013.

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