Famílias têm dificuldade de equilibrar orçamento e renda, revela pesquisa da FEA

As maiores dificuldades recaem sobre famílias das classes C2, D e E e melhorias dependeriam de resoluções em questões estruturais, não apenas de carência de renda.

Júlio Bernardes / Agência USP de Notícias

Pesquisa da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP mostra que mais de 60% das famílias brasileiras enfrentam dificuldades orçamentárias básicas, que restringem o acesso a alimentação, serviços de saúde, educação e moradia. O estudo usou um modelo matemático baseado em redes bayesianas para representar, de forma combinada, variáveis associadas com a dificuldade de se adequar o orça­mento à renda. O trabalho da especialista em marketing, Cláudia Mendes Nogueira, aponta que a superação dessas dificuldades passa pela resolução de questões estruturais, e não apenas da carência de renda.

Cláudia explica que as redes bayesianas são modelos matemáticos que permitem a representação visual do objeto de estudo em múltiplas dimensões, formando uma rede com múltiplas variáveis, facilitando sua compreensão. “Elas têm o potencial de ativar o raciocínio, pois como é possível verificar os estados das variáveis do modelo enquanto o observa, pode-se ‘descobrir’ informações de forma interativa’, diz. “Ao ‘mexer’ em uma variável pode-se perceber de que forma a informação se propaga na rede, através do efeito que ‘produz’ sobre as demais variáveis.

O estudo utilizou os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 2008_2009, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Foram realizadas entrevistas em 56.091 unidades de consumo, das quais 55.412 responderam também ao Questionário de Condições de Vida, focado apenas em percepções subjetivas. Esta foi a segunda vez que o IBGE realizou este tipo de avaliação”, diz a pesquisadora. “O presente trabalho focou neste questionário e nos demais realizados na POF, os quais permitem mensurar renda e consumo para as famílias brasileiras urbanas e rurais, pertencentes a todas as classes econômicas.”

O modelo representa a dificuldade orçamentária das famílias brasileiras de forma multidimensional. “O Brasil retratado neste trabalho quantifica mais de 60% das famílias vivendo e cuidando de dificuldades básicas”, ressalta Cláudia.

As maiores dificuldades recaem sobre famílias das classes C2 (renda monetária familiar mensal per capita de até R$ 592), D  (renda familiar de até R$ 422) e E (renda familiar de até R$ 301), têm crianças até seis anos de idade ou filhos adolescentes, matriculadas no ensino público. “Os nós da rede baynesiana, que ilustram as variáveis que levam aos problemas com o orçamento, representam a miséria, a pobreza, questões limitadoras relacionadas à infraestrutura, desenvolvimento político e regional, desigualdade e capital humano.”

Variáveis

De acordo com Cláudia , a variável da miséria envolve a questão da alimentação e a  necessidade de serviços de saúde, enquanto a pobreza está associada a precariedade das casas e ao atraso no pagamento de despesas.  ”A infra-estrutura tem impacto na qualidade da educação, saúde e lazer, enquanto no que diz respeito ao desenvolvimento, dependendo de onde se vive ou nasce a dificuldade pode ser maior”, afirma. A desigualdade é representada pelas classes econômicas e acesso aos melhores empregos, e o capital humano pelas famílias e pela rede de ensino, os quais têm nas mãos o brasileiro do futuro.”

Por meio das redes bayesianas foi possível também fazer uma reflexão sobre a relação entre a cor da pele e raça, classes econômicas e a dificuldade de se levar a vida até o final do mês com a renda familiar. “Sabendo a classe econômica, não é necessário utilizar a informação de raça para dizer se uma família vive ou não em dificuldade”, aponta a especialista em marketing. ”Este fato pode trazer algumas luzes para a discussão da questão das cotas raciais, na medida em que a indicação de classe econômica seria mais relevante para apontar de forma mais objetiva se uma família tem mais dificuldades e, em consequência, deva ser beneficiada pelas cotas, independente de raça ou cor.”

Cláudia destaca que as conclusões do trabalho apontam para o desafio de pensar um Brasil diferente, que não esteja olhando para as classes econômicas atuais apenas sob a óptica do consumo. “Como o Brasil pretende chegar em 2030?”, questiona. “Provavelmente não é apenas pela seta do assistencialismo ou do consumo, pois o modelo identifica que seu combate está nas questões estruturais, como a dos serviços de saúde e de educação, não se trata apenas de carência de renda.”

O trabalho foi orientado pelos professores Ronaldo Zwicker (que morreu em março de 2011), e Hiroo Takaoka, da FEA. As Redes Bayesianas apresentam visualmente variáveis em nós cujos vértices revelam a dependência entre as variáveis mensuradas pelas relações de probabilidade.  A pesquisadora afirma que o termo Redes Bayesianas foi cunhado pelo teórico em inteligência artificial Judea Pearl, por volta  de 1985. “De lá para cá houve grande evolução, principalmente devido o desenvolvimento dos computadores, pois as redes bayesianas demandam uma boa capacidade de processamento computacional”, diz.

Mais informações: email claudiamn@usp.br, com Cláudia Mendes Nogueira

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