Tecnologias desenvolvidas na Esalq aprimoram qualidade de aguardente

A Esalq vem pesquisando fermentação alcoólica e destilação da bebida há mais de oito décadas.

Da Assessoria de Comunicação da Esalq

A aguardente, ou cachaça, como é mais conhecida, faz parte da história do povo brasileiro. É uma bebida típica e genuinamente brasileira que, dependendo do seu modo de produção, apresenta variações entre pureza, sabor e aroma. Para pesquisar a produção de aguardente de cana-de-açúcar envolvendo estudos sobre fermentação alcoólica, destilação e envelhecimento, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz  (Esalq) da USP, em Piracicaba, trabalha com projetos na área desde 1930, época em que os estudos sobre fermentação alcoólica eram coordenados pelo professor Jayme Rocha de Almeida. Mais tarde, em 1950, Almeida foi responsável pela criação do Instituto Zimotécnico (IZ) e, anos depois, em 1956, montou a Destilaria Piloto, no Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição (LAN).

A cachaça produzida pela Esalq tem sido reconhecida graças aos vários estudos realizados na área. O fruto desse legado é o alto nível e padrão que a bebida atingiu sendo, inclusive, classificada como blended whisky. Para entender como se deu toda essa evolução, o professor André Alcarde, atual responsável pelos estudos com cachaça no LAN, conta sobre o histórico de pesquisas realizadas no decorrer dos anos e fala sobre o esforço em manter o objetivo de propiciar a prática em ensino e pesquisa na área.

Para ilustrar os estudos voltados à tecnologia da produção de açúcar e de etanol e das fermentações alcoólicas para a produção de bebidas fermentadas e destiladas, foram divulgados resultados como, por exemplo, a desalcoolização parcial de vinho por gas stripping durante a fermentação. A pesquisa, realizada em 2006, teve como objetivo reduzir dois pontos percentuais a concentração alcoólica de vinhos por meio de processo de gas stripping aplicado no início da fermentação, permitindo assim a síntese de compostos voláteis de aroma e sabor da bebida durante a continuidade da fermentação, após a remoção parcial do etanol. Na época, foi trazido da França um sistema de controle de parâmetros da fermentação que pode ser aplicado tanto para o vinho quanto para a cachaça ou para a cerveja.

Outro exemplo se deu por conta de uma cachaça diferente daquela que vinha sendo produzida na Esalq em coluna de destilação. Destilada em alambique com a mesma qualidade química da anterior, utilizou uma metodologia inovadora e com período maior de envelhecimento. Na sua produção, empregou o procedimento de Single Malt Scoth Whisky, o que agregou à bebida uma importância particular e despertou o interesse de produtores nacionais e internacionais. Além de inovar na produção da bebida, o mérito maior dos pesquisadores envolvidos deveu-se a importante classificação conquistada em Edimburgo, na Escócia. Durante a Worldwide Distilled Spirits Conference, onde foram apresentados resultados de pesquisas sobre produção de cachaça por bidestilação em alambique, a cachaça proveniente da pesquisa realizada na Esalq, em 2009, foi avaliada por um painel de degustadores da Scotch Malt Whisky Society (SMWS) e considerada sensorialmente superior aos blended whyskys disponíveis no mercado mundial e similar aos single malt whiskys de 8 a 12 anos.

Entre 2009 e 2010, foi realizada uma pesquisa sobre interação madeira/compostos de aroma e impacto sobre a percepção sensorial do vinho, desenvolvida em parceria com o Institut Universitaire de la Vigne et du Vin (IUVV). Os estudos, realizados na França, foram adaptados para o comportamento da cachaça desenvolvida na ESALQ. Foram observados a composição química da bebida envelhecida por interação com madeira de carvalho proveniente de diferentes florestas francesas. De acordo com a pesquisa, a madeira de carvalho é a principal madeira utilizada no envelhecimento de bebidas alcoólicas, adquirindo supremacia mundial, pois participa ativamente do flavor da bebida de qualidade graças à extração de moléculas aromáticas. O experimento foi conduzido em escala laboratorial, mediante uso de fragmentos dessas madeiras, para posteriormente ser aplicado em sistema convencional (tonéis).

Bidestilação

Atualmente, o diferencial dos trabalhos realizados com a cachaça na Esalq é a bidestilação. “Quem começou com esse processo de dupla destilação para cachaça foi o professor Fernando Valadares Novaes, na década de 1990, depois se aposentou em 1997. Com isso, ficamos um pouco parados, depois retomamos, visando à qualidade da bebida”, afirma Alcarde. A bidestilação consiste em diluir o destilado inicial a 27-30% de álcool e destilar novamente no alambique de cobre. Porém, segundo o professor, para que se alcance o requinte da bebida, ela passa pelo processo de envelhecimento.

Dessa forma, hoje, a destilaria possui 25 tonéis de 10 tipos de madeira diferentes, que colaboram para que, no processo de envelhecimento da bebida, o produto final extraia em cada tonel um aroma, cor e sabor específico. Esta etapa da produção da cachaça está em constante análise feita pela mestra em Ciências e Tecnologia de Alimentos, Aline Bortoletto. A pesquisadora diz que o processo é inédito no Brasil, pelo uso de tonéis novos. “Isso nunca foi feito com cachaça, pois não existe importação desses tonéis para o Brasil. Os produtores ainda não conhecem essa tecnologia”.

O envelhecimento da bebida praticado na Esalq tem sua especificidade pelo uso de tonéis de madeira de carvalho, feitos de forma semiartesanal com madeiras de diferentes florestas da França e dos Estados Unidos possibilitando, assim, a comparação entre as bebidas que passam por tal processo. A cachaça, quando envelhecida nesses tonéis, pode absorver aromas como baunilha, coco, amêndoas e caramelo. “A forma como esses tonéis são fabricados na França influenciam nos aromas que a cachaça pode abstrair”, completa Aline Bortoletto.

De acordo com André Alcarde, a destilaria existente na Esalq desde 1956, foi muito utilizada, mas hoje não possui mais os padrões para práticas de ensino, pesquisa e extensão. Por conta disso, um novo espaço dentro do LAN foi preparado para alocar uma minidestilaria com novos alambiques e, assim, expandir o centro de desenvolvimento da qualidade da cachaça. “Trata-se do mais completo centro de desenvolvimento da qualidade da cachaça do Brasil, com área de cultivo de cana-de-açúcar, processo de extração e de tratamento do caldo, sistemas de fermentação alcoólica, diferentes aparelhos de destilação e etapa de envelhecimento da bebida em tonéis de 10 tipos de madeiras”,

Alcarde revela que o acompanhamento científico das novas tecnologias empregadas para a melhoria da bebida é realizado em laboratórios que contam com os mais modernos equipamentos de análises químicas de bebidas. “Levamos dois anos para concluir esse trabalho. Fizemos o projeto para a aprovação da Fapesp e deu certo. Hoje, contamos com equipamentos de ponta”, explica o professor. Além do novo espaço, o coordenador conta com toda a infraestrutura do departamento que disponibiliza anfiteatro e salas de aula para difusão de conhecimentos teóricos.

Cerca de 80 alunos, entre graduandos e pós-graduandos, frequentam anualmente as disciplinas ministradas. O centro de pesquisas atende, também, a comunidade e produtores mediante cursos periódicos de capacitação técnica e por serviços de análises químicas das cachaças enviadas. Além disso, todos os resultados dos trabalhos realizados pelos pesquisadores são veiculados em publicações técnicas e científicas.

Finalizando, Alcarde destaca que já abriu inscrições para um curso de cachaça de alambique. Por outro lado, em parceria com a Casa do Produtor Rural (CPR), da Esalq, será lançada uma cartilha sobre a cachaça de alambique ainda neste primeiro semestre de 2013.

Mais informações pelo site http://www.esalq.usp.br

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