Agentes penitenciários do interior de São Paulo são tema de pesquisa na FFLCH

O objetivo inicial do trabalho foi entender o prestígio da carreira de agente penitenciário no interior do Estado de São Paulo.

Lara Deus/ Agência USP de Notícias

A interiorização de presídios no estado de São Paulo está causando a formação de uma nova categoria social em pequenas cidades. O prestígio em ser um Agente de Segurança Penitenciária (ASP) nessas localidades faz com que a profissão seja almejada por jovens e é alvo de um estudo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

O antropólogo Raphael Sabaini fez sua pesquisa a partir da realidade do município de Itirapina, localizado na região central do Estado de São Paulo, a 220 km da capital, que tem cerca de 15 mil habitantes e abriga 3 mil detentos em suas duas penitenciárias. A dissertação de mestrado foi feita pelo método da observação participante, pelo qual Sabaini acompanhou o cotidiano dos moradores e da cidade, segundo ele, tentando “etnografar cada detalhe cotidiano, cada diálogo”.

As diferenças entre a influência que um agente penitenciário exerce em cidades maiores e naquelas pequenas que abrigam presídios foram motivação para Sabaini escolher o tema da pesquisa. Ele indagou “como uma profissão que é vista nos grandes centros urbanos como um emprego perigoso e até como subemprego, poderia ganhar este nível de destaque entre as pessoas de uma pequena cidade?“. No momento do estudo, o antropólogo notou que muitos enxergavam a profissão como uma maneira de crescer e de adquirir bens, como casa e automóvel.

O objetivo inicial do trabalho foi entender o prestígio da carreira de agente penitenciário na cidade, que fica entre dois presídios, além de detectar as mudanças que ocorreram após a construção deles. No decorrer da pesquisa, porém, o antropólogo também decidiu analisar a influência das prisões nos laços sociais da cidade, tanto no âmbito familiar, quanto no da amizade. Para isso, ele fez “trabalho de campo no único supermercado da cidade, na única escola estadual, e com alguns comerciantes, pois precisava saber, sob a ótica desses demais atores sociais, como eles viam os ASPs.”

Depois do trabalho, muitas hipóteses iniciais foram confirmadas e explicadas. A aceitação da construção de uma segunda penitenciária, em 1998, foi absorvida aos poucos pela comunidade do município, pois os habitantes foram incorporando a rotina das unidades prisionais à da cidade. “Muitas pessoas afirmaram estar ‘adaptadas’”, ressalta o pesquisador. Sabaini revela também que o prestígio dos agentes penitenciários foi comprovado e que eles chegavam obter privilégios no comércio local e eram eleitos em cargos políticos. Outra conclusão é a de que gírias e expressões usadas pelos detentos eram proferidas também no cotidiano da cidade, sendo os agentes penitenciários grandes responsáveis por este fenômeno.

Mudanças na comunicação

Devido ao grande número de agentes penitenciários entre os habitantes, a cidade de Itirapina viu que os muros das prisões não impedem que haja comunicação entre os detentos e a comunidade. Os acontecimentos das duas prisões são assuntos nas reuniões de família e de amigos. Por isso, os moradores da “cidade penitenciária” apresentaram o vocabulário também influenciado pela presença dos presídios. Um exemplo é o “jumbo”, palavra usada para definir a sacola de mantimentos que os parentes dos presos levam em dias de visita. Outra palavra comum na cidade é o “bonde”, comboios de viaturas de polícia e furgões onde são transportados presos para os locais, como por exemplo, numa audiência no fórum municipal ou numa transferência para outra unidade prisional. Sabaini ainda faz uma ressata que “não precisa ser parente de preso ou de agente. Muitos não possuem ligação direta com esses atores sociais, mas sabem o que significa cada palavra”.

A frequente presença destes “bondes” tem alterado também o cotidiano da cidade de Itirapina. A pesquisa mostrou que “se, na época da construção da penitenciária II, muitos se assustavam com as sirenes e giroflex de viaturas policiais entrando e saindo das cadeias, hoje em dia isso é apenas mais um detalhe da paisagem urbana”. Sabaini começa sua dissertação de mestrado Uma cidade entre presídios: ser agente penitenciário em Itirapina-SP descrevendo o contraste entre a serenidade do ambiente do município e a agitação promovida pelas cadeias.

Por decorrer de uma política pública estadual paulista, o caso de Itirapina não é isolado. O antropólogo explica que o governo de São Paulo passou a desconcentrar os detentos da capital depois da desativação da antiga Casa de Detenção de São Paulo, o “Carandiru”, principalmente durante a década de 1990, e opina: “temos de atentar para o fato de que a construção desenfreada de unidades prisionais está mudando a rotina de pequenas cidades do interior paulista. Não é um dado positivo que esteja surgindo uma nova classe que agrega valores vindos da prisão e tem seus vencimentos oriundos de um sistema prisional opressor e degradante.“

A dissertação de mestrado foi orientada pela professora Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer e defendida em setembro de 2012 na FFLCH.

Mais informações: email raphael.sabaini@usp.br

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