Walter Salles: “Pensar o cinema é tão importante quanto fazer o cinema”

Diretor de cinema Walter Salles apresenta Aula Magna na ECA e fala sobre carreira premiada.

“Antes de começar eu queria confessar que quando eu descobri que tinha vindo aqui para dar uma uma ‘aula magna’, quase voltei a pé para o Rio de Janeiro.” Foi nesse tom descontraído que o “professor” deu início ao curso de Audiovisual no Departamento de Cinema, Rádio e Televisão (CTR) da Escola de Comunicações e Artes (ECA). Mas a simplicidade das palavras não muda o fato de que nesta quarta-feira (8) os alunos da USP estavam diante de uma celebridade – a aula era com o premiado diretor de cinema, Walter Salles.

A grande virada

Segundo o cineasta, o intuito do encontro era proporcionar uma troca de ideias sobre filmes e contar as experiências que foram adquiridas em sua carreira. Walter Salles, mais uma vez,  brinca, dizendo que “o melhor curso de cinema que há no Rio de Janeiro é o de Economia na PUC”, devido ao grande números de alunos de Economia que – assim como o diretor – se envolveram com o meio audiovisual.

“Estudar aquilo [economia] era tão chato que a gente se enfurnava no cinema e via todo Bergman, todo Fellini, todo Antonioni. Minha formação é toda de cinefilia. Eu era e sou totalmente encantado com tudo aquilo”, conta.

Mas o grande estalo pelo cinema aconteceu quando tinha ainda 17 anos e foi assistir a exibição do filme O Passageiro- Profissão Repórter, do diretor Michelangelo Antonioni. “Quando terminou esse filme eu estava completamente transtornado. Todo mundo saiu do cinema e eu não conseguia levantar da cadeira. Eu já tinha lido coisas que me marcaram profundamente até ali, mas nada perto do que eu senti quando vi aquilo.”

Socorro Nobre

Walter Salles tem uma filmografia respeitada. Uma das primeiras produções que o impulsionaram na carreira foi o curta-metragem Socorro Nobre, feito em 1995, que leva o  nome da ex-presidiária Maria do Socorro Nobre. Ela se relaciona com um artesão polonês, Franz Krajcberg, em um enredo que conjuga histórias de pessoas que não se conhece, mas que em momentos distintos, passaram pela mesma situação: a clausura.Foi um documentário que me deu régua e compasso.

“Foi um documentário que me deu régua e compasso”, sintetiza Salles.  “O mundo é amplo. Pode-se falar sobre absolutamente tudo. Então, se você não escolher aquilo que gera alguma coisa que ecoa profundamente em você ou que você queira desvendar de uma forma profunda, aquilo não merece ser um filme. Fazer um filme é difícil demais para não termos uma ligação com o ele” reflete o diretor, e completa dizendo que questões como a identidade, a possibilidade de alguém encontrar e oferecer uma segunda chance acabou norteando diversos filmes que ele fez posteriormente, como Terra Estrangeira e Central do Brasil.

Prova disso é que a personagem Maria do Socorro Nobre é a primeira a aparecer e a dar seu depoimento no filme de Walter Salles que concorreu ao Oscar, Central do Brasil, realizado três anos após o curta.

Central do Brasil

“Eu acordei um dia com a ideia do filme e a arquitetura básica. Única vez que isso aconteceu comigo, aliás. Eu escrevi umas vinte páginas aquele dia com uma arquitetura de início, meio e fim”, relata o diretor.

Para compor o aclamado filme foram necessárias mais de vinte versões do roteiro e três anos de realizações. “Foi quase um ano só para o casting se consolidar, sobretudo por causa da criança que iria interpretar o Josué. Foram mais de mil testes para conseguir achar o Vinícius, que daria vida ao personagem”, afirma Walter Salles.

De acordo com o diretor, a demora para consolidar o roteiro vem da necessidade de encontrar uma maneira mais efetiva de passar as emoções.  Antes mesmo de finalizado, o roteiro ganhou o prêmio Sundance de Roteiro, que é uma premiação de fomento, e mesmo assim não foi concluído. As adversidades apareceram após conhecer as locações e suas particularidades.  “Várias coisas foram inseridas ao roteiro conforme iam surgindo, como os romeiros. O que dá realmente outra camada para essa cena vem da perda de controle do processo”.

Diários de Motocicletas

“Fazer uma versão para o cinema de Diários de Motocicletas foi um processo de preparação completamente diferente. Jamais tinha tido a coragem de pensar em adaptar esse livro.  Tinha lido o livro, tinha me encantado por ele, mas não me pareceu que seria possível fazer essa adaptação”, revela o diretor. O convite para adaptar a obra veio de Sundance. Robert Redford havia comprado os direitos do livro com a intenção de filmá-lo, mas percebeu que filmar um filme em uma língua que não possuía conhecimento seria inviável.

O cinema é mais sobre aquilo que você sente, do que sobre aquilo que você vê.

Salles conta que tinha muitas dúvidas quanto a fazer o longa. “Eu me sentia desestabilizado, porque personagem histórico é um pouco intimidante. Era um filme muito difícil de ser feito. Reuniria atores e não atores, seria falado em espanhol e teria uma trajetória a ser percorrida que levaria meses através de todo um continente”. E, apesar de todos os empecilhos, Redford acabou virando produtor-executivo da ideia que levou três anos para ser finalizada. Só para se ter uma ideia, durante a pré-produção Walter Salles percorreu duas vezes o trajeto que os personagens fariam, buscando se  sentir mais seguro.

Cinema e Universidade

Walter Salles avalia esses encontros propostos pela Universidade como de grande valia tanto para a comunidade USP quanto para o profissional participante. “O cinema foi inventado por dois irmãos, ou seja, ele vem de uma prática coletiva. Eu devo dizer que eu aprendi muito aqui hoje. Acho que é importante essa possibilidade de você trocar experiências e, sobretudo colocar as suas dúvidas de uma forma clara. Pensar o cinema é tão importante quanto fazer o cinema. E, você não faz o cinema se você não passa por essa etapa reflexiva”, avalia.

Admirador de Charles Chaplin, Salles tenta explicar o que é fazer cinema citando Peter Brook, diretor de teatro, ‘quando eu começo um trabalho, tento conjugar duas coisas: a proximidade do dia-a-dia e a distância do mito. O dia-a-dia é aquilo que pode nos emocionar, e o mito é aquilo que pode nos trazer transcendência’.  “O cinema é mais sobre aquilo que você sente, do que sobre aquilo que você vê”.

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