Lançamento da Edusp teoriza música entre a matemática e a emoção

Flo Menezes lançou "Matemática dos Afetos - Tratado de (Re)composição Musical" na última quarta-feira (5), em debate com Vladimir Safatle e Manuel da Costa Pinto.

“Toda arte aspira à condição de música”, afirmou Walter Pater, ensaísta e crítico literário inglês do século 19. Florivaldo “Flo” Menezes Filho, professor titular do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e um dos mais importantes compositores da atualidade, parece ter compreendido bem o que Pater queria dizer. Não é à toa que convidou para o debate de lançamento de seu novo livro, Matemática dos Afetos – Tratado de (Re)composição Musical (Edusp, 2013), um filósofo – Vladimir Safatle, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP – e Manuel da Costa Pinto, jornalista e mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP.

A intenção de Flo com esta obra é ambiciosa, como ele mesmo define: “tratados buscam pretensiosamente abarcar todos os aspectos de um dado tema. Eu procurei vasculhar, da filosofia à técnica, quais os elementos possíveis da composição musical, desde uma noção filosófica e estética da composição até elementos  técnicos da linguagem, morfologia e fundamentos da composição”, explica.

O próprio título do livro implica na noção de diálogo. “A música lida com duas esferas imbricadas e indissociáveis. Uma é o sentimento, todas as cargas de tensão, relaxamento, expansividade e contrações que têm muita ligação com a corporalidade e sensações afetivas”, aponta Flo.

Do outro lado, ele ressalta o cálculo permanente de como lidar com os elementos musicais que vão se repetir e desenvolver ao longo da composição. A capacidade de sistematização que Flo Menezes apresenta em seu livro chamou a atenção de Safatle. “A prática profissional de Flo é sistematizada em um nível tão alto e complexo que exige do autor a produção de conceitos novos”, comenta.

Flo conta que, geralmente, quem ouve uma peça musical escuta primeiro sobre o prisma da emoção. Mas ele acha que o compositor deveria, fundamentalmente, trabalhar simultaneamente com as duas esferas citadas. “Quando você alia cálculo e emoção, tem a chance de fazer algo substancialmente mais interessante”, afirma.

Para Flo Menezes, a característica fundamental daquilo que chama de “arte radical”, ou seja, uma arte compromissada, é a transtextualidade. Ele se refere a possibilidade e capacidade de uma produção artística dialogar com obras do passado e de outros campos, envolvendo noções de releitura e recomposição. Safatle acredita que quando Flo propõe seu trabalho a partir da problemática do tempo, ele elabora uma experiência musical à altura de sua época, sem que isso impossibilite a internalização do que é a experiência da história da música. “Compor hoje é indissociável da história da música e de experiências passadas, um constante ressoar de vários tempos”, afirma Safatle.

Compor hoje é indissociável da história da música e de experiências passadas, um constante ressoar de vários tempos.

Nesse sentido, Flo acredita ser um mito achar que exista composição. O professor entende a composição como um texto em que se encontram, em múltiplas referencias ao passado e presente, distintos e simultâneos planos dessa transtextualidade. “Decompor os sons e objetos sonoros para recompô-los na obra musical: todo compositor é um recompositor”, define o professor.

Mais do que escutar, para Flo a ação do músico deve ser a de escrutar, isto é, investigar os sons que encontra e com os quais irá trabalhar. Mas no exercício da composição é necessário também escutar com a visão: “a música é imagética. Eu acredito na existência de um órgão entre a orelha e o olho onde a música se instaura. É o orolho e o ouver”, brinca.

Eu acredito na existência de um órgão entre a orelha e o olho onde a música se instaura. É o orolho e o ouver.

O musicista passa a ser então um “músico-filósofo”, um filósofo dos sons. “Quando ele está compondo, ele pensa sobre a composição e não consegue se desvencilhar de uma conceptualidade. Nesse sentido, não separo muito a música da filosofia, todo músico é um propositor, um interpretador, um refletor, ou seja, um filósofo”, compara Flo.

Embora durante o debate Manuel da Costa Pinto tenha levantado a possibilidade de se sentir um peixe fora d´água – por não entender tecnicamente de música – a literatura sem dúvida não está separada da música. Em primeiro lugar, porque ambas são linguagens. “A música nasce do verbo, daquilo que o verbo e sua representação são incapazes de representar. A palavra é um gênero musical, o verbo é um quarteto de cordas”, afirma Flo.

Costa Pinto destaca a busca de Flo Menezes em pensar as raízes profundas da linguagem musical e aponta uma questão, para ele, enigmática: “eu identifiquei a aparente ideia que o livro passa de que existe uma essência da linguagem artística e esta, uma vez detectada, cabe para a música, literatura, artes plásticas, entre outros. É a noção de que exista um fundo comum das linguagens artísticas.”

 O verbo é um
quarteto de cordas.

Flo encontra uma outra interpretação para as afirmações de Costa Pinto. “Acho que na verdade sou eu que vejo música em tudo”, afirma. Ele relembra quando, nas adolescência, ficou dois dias inteiros sem falar e acredita que esta pode ser a tendência novamente. “Não se assustem se um dia eu chegar na sala de aula e emitir apenas sons. Seria genial se pudesse parar de falar e me expressar apenas por música.”

Flo Menezes

Flo Menezes nasceu em São Paulo, em 1962. Estudou composição na USP com Willy Corrêa de Oliveira. Entre 1986 e 1990 especializa-se em Música Eletrônica junto ao Studio für elektronische Musik de Colônia (Alemanha).

Foi aluno também do Centro di Sonologia Computazionale (CSC) da Universidade de Pádua (Itália), do Centre Acanthes em Villeneuve les Avignon e da Fondation Royaumont (França), do Mozarteum de Salzburg (Áustria) e da Stockhausen-Kurse de Kürten (Alemanha). Doutorou-se em 1992 pela Universidade de Liège (Bélgica) e fez o pós-doutorado na Fundação Paul Sacher (Suíça).

Como compositor, Flo obteve os principais prêmios internacionais de Composição Eletroacústica. Como teórico da música nova, é autor de diversos livros e artigos publicados no Brasil, Europa e Estados Unidos.

Considerado pela crítica dentro e fora do Brasil como um dos principais compositores de sua geração, Flo Menezes é professor de Composição e Música Eletroacústica da Unesp, fundador e diretor do Studio PANaroma de Música Eletroacústica da Unesp.

Matemática dos Afetos – Tratado de (Re)composição Musical está disponível para compra no site da Edusp e nas lojas físicas da editora.

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