Projeto liderado por pesquisador da USP mapeia novas espécies de crustáceos no litoral paulista

Pesquisa faz parte do projeto Biota e busca identificar e mapear geneticamente a fauna de crustáceos de dez patas.

Rosemeire Soares Talamone / Serviço de Comunicação Social do Campus de Ribeirão Preto

Pesquisadores da USP em Ribeirão Preto, da Universidade Estadual de Santa Cruz (Bahia) e da University of Louisiana at Lafayette (EUA) mapearam novas espécies de crustáceos decápodes no litoral brasileiro, a partir de evidências de populações do litoral paulista. As descobertas são alguns dos vários resultados do projeto Temático – Biota FAPESP Crustáceos decápodes: multidisciplinaridade na caracterização da biodiversidade marinha do Estado de São Paulo – (taxonomia, espermiotaxonomia, biologia molecular e dinâmica populacional). Iniciado em 2011 e com término previsto para 2015, o objetivo é ampliar o inventário paulista de decápodes (animais com dez patas), como camarões, siris, lagostas, ermitões e caranguejos, por meio de diferentes linhas de investigação.

Das novas espécies descobertas até o momento, duas são de camarões-estalo, uma do popular “corrupto”, decápode do gênero Callichiru, utilizado como isca por pescadores, e outra de um caranguejo eremita (ermitão) do gênero Clibanarius. As descobertas se devem ao esforço empreendido por pesquisadores no sentido de aumentar o numero de expedições cientificas em áreas pouco exploradas e na melhoria e acuracidade das análises para identificação, em particular com a comparação com a fauna de outras localidades. O estudo também já identificou e reportou a presença de espécies invasoras, não nativas no litoral paulista, como a de um minúsculo camarão do gênero Athanas, originalmente do Mediterrâneo, e outra do caranguejo Charybdis helleri, presente nos oceanos Índico e Pacífico. Para os pesquisadores, esta presença ocorre em função do transporte de larvas dessas espécies, que chegam até nosso litoral na água do lastro dos navios comerciais (parte do casco é cheio, na origem, com água que confere equilíbrio a embarcação durante a navegação). Quando os navios chegam ao destino, essa água é trocada/liberada e juntamente as larvas são soltas, encontrando em águas brasileiras ambiente favorável, tanto para se desenvolverem, como para se reproduzirem.

Outra descoberta que surpreendeu os pesquisadores, após análises detalhadas sobre a morfologia e a genética, foi o fato de que algumas espécies de corruptos e de ermitões presentes no Brasil serem diferentes, apesar de denominadas como espécies presentes em outras localidades. Para o professor Fernando Luis Medina Mantelatto, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP e coordenador do projeto temático, isso se deve a uma limitação imposta por barreiras geográficas, que isolam determinadas populações e o processo de especiação acaba ocorrendo. Em alguns destes casos, muito provavelmente a bacia do rio Amazonas parece ser o grande responsável. “O aporte de águas funciona como uma barreira geográfica. Assim, o que está abaixo dessa região se isolou e interrompeu o fluxo gênico, tornando-as  diferentes, por exemplo, das populações que estão na região do Caribe”, explica o cientista. Ainda, grande parte destas descobertas estão relacionadas à ampliação e à acuracidade na comparação de especimens da costa brasileira com as de outras regiões por meio da combinação de ferramentas informativas, como a morfologia do adulto, da larva e da analise genética.

O projeto temático conta com a participação de pesquisadores da Unesp de Jaboticabal, Bauru e Botucatu, proporcionando uma ação concomitante e integrada em três vertentes: análises sobre a taxonomia alfa e filogenia molecular— que trazem informações acuradas sobre as variações morfológicas e genéticas sobre o passado evolutivo da espécie; a espermiotaxonomia — que caracteriza morfologia de alguns dos aspectos (espermatóforo e espermatozoide) reprodutivos dos crustáceos, importantes para a separação taxonômica e o entendimento dos processos evolutivos que norteiam a reprodução; e ecológicas — onde estão sendo estudadas algumas espécies com interesse comercial para avaliar os estoques populacionais, genéticos e a dinâmica do ciclo de vida ao longo da costa do Estado de São Paulo, para adequar tais diferenças às  leis de manejo.

Código de barras e patrimônio genético

Um dos principais resultados desse projeto, segundo o coordenador, é a descrição do código genético para todas as espécies de crustáceos decápodes marinhos e estuarinos do litoral paulista, com o depósito  das sequências em um dos bancos mundiais de dados que reúne genes de espécies do mundo todo, o GenBank, mantido pelo National Center for Biotechnology Information, nos Estados Unidos.

“Nós temos como meta sequenciar dois genes específicos do DNA mitocondrial (mtDNA), considerados indicadores mais adequados para estudos sobre taxonomia e filogenia”, descreve o professor Mantelatto. Um deles, o COI (sigla para citocromo c oxidase subunidade I), recebe a denominação de ‘código de barras de DNA’, uma etiqueta genética com sequências curtas para identificação das espécies, que são depositadas no GenBank. “Diversos grupos de pesquisa participam de um esforço internacional para estabelecer a técnica de DNA barcoding como padrão global para o estudo da biodiversidade. O “Consortium for the Barcode of Life” (CBOL), que foi criado em 2004, com o objetivo de auxiliar no desenvolvimento de um sistema capaz de identificar todas as espécies do planeta”.

Ainda segundo Mantelatto, o Laboratório de Bioecologia e Sistemática de Crustáceos (LBSC) da USP em Ribeirão Preto é a referência brasileira nessa biblioteca mundial, que tem somente 1% de genes da fauna brasileira depositado. “No Brasil, apesar de iniciativas pontuais, este é o primeiro projeto formal focado especificamente aos crustáceos decápodes do litoral paulista. No mundo, cerca de 17 mil espécies de decápodes são conhecidas, e na costa brasileira há mais de 600 ocorrentes. Já a lista atual do litoral paulista é estimada em 377 crustáceos decápodes, e nossa pesquisa já conseguiu coletar 60% desse material e, desse percentual, 70% já foram mapeados geneticamente. Quando conseguirmos completar nossos objetivos, colocaremos o Estado e o Brasil em evidência”, avalia o professor.

A explicação para a grande diversidade de crustáceos no Estado de São Paulo, segundo Mantelatto, se deve ao fato de o território paulista estar numa área com condições abióticas favoráveis à presença de distintos organismos, ou seja, temos a presença de decápodes típicos de áreas tropicais e também de áreas frias. Algumas correntes oceânicas favorecem o trânsito e o estabelecimento de uma mescla de espécies. “Temos também um relevo muito recortado, com baias e enseadas, que promove áreas de instalação para essa fauna, que encontra espaço, de proteção e alimento”. Particularmente no sul do Estado, diz o professor, existe uma influência muito grande de água doce, por ocasião de um relevo repleto de rios e estuários, transformam em áreas com grande importância ecológica e a necessidade de novos estudos para se conhecer melhor a dinâmica dos organismos que ali se encontram.

Todos os animais são coletados mediante licença de coleta permanente concedida aos pesquisadores pelo IBAMA/ICMBio, em seguida são catalogados e depositados na coleção de Crustáceos do Departamento de Biologia (CCDB) da FFCLRP, que é fiel depositária das amostras de componentes do patrimônio genético de Crustáceos, conforme portaria do Conselho de Gestão de Patrimônio Genético (CGEN), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, publicada no Diário Oficial da União. Os resultados do projeto já deram origem a mais de 40 publicações em revistas nacionais e internacionais, além de várias apresentações em eventos científicos e mais de 15 dissertações e teses, além de vários prêmios a estudantes de graduação e pós-graduação que estão vinculados ao projeto temático.

Mais informações: (16) 3602-3656

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