Para Nobel de Física, conhecimento se constrói em meio ao mar da ignorância

Auditório do IF lotou para assistir à conferência "As Fronteiras da Física Fundamental", com David Grow.

Paulo Hebmüller / Jornal da USP

Foto: CERN/Divulgação
Display de experimento realizado em acelerador do CERN

A confirmação da existência do chamado bóson de Higgs – que deu aos autores da teoria, Peter W. Higgs e François Englert, o Prêmio Nobel de Física neste ano – será uma espécie de “ingrediente final” para explicar como todos os outros componentes do chamado Modelo Padrão das partículas elementares adquirem massa: ela seria gerada por um campo associado ao bóson.

“Para que isso servirá? A grande resposta é: quem sabe?”, perguntou de forma bem-humorada o professor norte-americano David Gross, ganhador do Nobel de Física de 2004 ao lado do colega Frank Wilczek, na conferência que proferiu no Instituto de Física (IF) da USP no dia 12 de novembro.

Gross citou outros casos em que a mesma pergunta foi feita quando de grandes descobertas como o uso da eletricidade e a mecânica quântica. Esta última, cujos princípios foram estabelecidos na primeira metade do século passado, “domina a tecnologia da atualidade”, definiu.

Professor na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, Gross veio ao Brasil a convite da Nobel Prize Foundation Initiative. De acordo com o diretor do IF, Renato de Figueiredo Jardim, a equipe da fundação ficou impressionada com o tamanho da unidade. São cerca de mil alunos só na graduação, o que não é comum mesmo em instituições de países desenvolvidos.

O auditório Abrahão de Moraes estava lotado, e muita gente assistiu de pé à conferência, intitulada As Fronteiras da Física Fundamental. Antes da apresentação, Gross passou várias horas em companhia de docentes e alunos da unidade, respondendo a perguntas e tirando muitas fotos, impressionando pela simpatia e disponibilidade.

Modelo a ser superado

Foto: Franscisco Emolo / Jornal da USP
David Gross: ‘O melhor ainda está por vir’

O bóson de Higgs e a gigantesca estrutura que permitiu as experiências  que confirmaram sua existência – o acelerador de prótons Large Hadron Collider (LHC), em Genebra, na Suíça, com seu túnel circular de 27 quilômetros de extensão a 100 metros de profundidade – estavam entre os temas da conferência. Para Gross, o LHC levou muito menos tempo do que se previa para encontrar evidências da partícula de Higgs. As razões para isso, além da qualidade dos pesquisadores envolvidos no projeto e de seu árduo trabalho, estão nas bases da teoria do Modelo Padrão.

Na definição de Gordon Kane, físico teórico da Universidade de Michigan, trata-se da “mais sofisticada teoria matemática sobre a natureza”, pois identifica as partículas básicas e especifica como elas interagem. Tudo o que acontece em nosso mundo, à exceção dos efeitos da gravidade, resulta dessas interações.

O fato de você não saber como responder a uma pergunta não significa que não exista uma resposta.

Apesar de ser uma teoria muito bem-sucedida, o Modelo Padrão ainda é insuficiente, considera o Prêmio Nobel. Perguntas sobre a assimetria matéria-antimatéria, a matéria escura, a energia escura, a massa dos neutrinos e a interação gravitacional permanecem sem resposta. “Há vários aspectos sobre o Modelo que não podemos calcular. A teoria é um pouco mais fraca do que gostaríamos”, afirmou.

Foto: Franscisco Emolo / Jornal da USP
Alejandro Szanto de Toledo, docente do IF

O docente do IF Alejandro Szanto de Toledo concorda que o Modelo Padrão está se esgotando. “Precisamos observar coisas diferentes, e isso Gross mostrou claramente”, comentou o professor, que assistiu à conferência.

David Gross acredita que, como ocorreu em outros momentos da história, a física caminha para uma teoria unificada para explicar como agem as forças no átomo e em seu núcleo. “Minha visão é de que a Teoria Quântica dos Campos é um quadro e o Modelo Padrão é uma teoria que se encaixa nesse quadro, assim como a Teoria das Cordas. Descobrimos mais e mais que se tratam da mesma coisa”, disse. “É um quadro muito maior do que pensávamos.”

Novos conceitos sobre a dimensão espaço-tempo e sobre objetos de outras dimensões impulsionam questões também novas sobre a origem do universo. Para Gross, se existem nessas teorias equações que ainda não podem ser formuladas ou resolvidas, não há por que parar a busca.

“O fato de você não saber como responder a uma pergunta não significa que não exista uma resposta”, enfatizou. “Não temos ideia de com o que as respostas irão se parecer. Não sabemos sequer quais são as regras. Temos fantásticos instrumentos de experiências e especulações igualmente fantásticas. O melhor ainda está por vir.”

“Devemos saber, vamos saber”

Foto: Franscisco Emolo / Jornal da USP

Além de analisar as teorias e conceitos que ocupam o trabalho dos físicos na atualidade, David Gross também reservou tempo para navegar por questões mais especulativas e filosóficas sobre a busca do ser humano pelo conhecimento. Ao modelo que usa a cebola como metáfora – de acordo com o qual seríamos capazes de remover cada “pele” até chegarmos a um centro ou “coração” do saber –, o professor disse preferir a imagem do “mar da ignorância”, em meio ao qual vamos expandindo as fronteiras de nosso conhecimento.

“Só sabemos da ignorância até as fronteiras, as bordas, de nossa ignorância. Quanto mais sabemos, mais nos damos conta do que não sabemos. A parte mais importante do conhecimento é a ignorância, porque ela permite nos darmos conta de que há outras perguntas que podemos formular”, definiu.

A parte mais importante do conhecimento é a ignorância, porque ela permite nos darmos conta de que há outras perguntas que podemos formular.

Gross utilizou o exemplo dos mapas medievais, que eram eurocêntricos e não mostravam o território americano, entre outras regiões do globo. Para o Prêmio Nobel, seus autores não podiam ser considerados ignorantes a respeito das Américas, porque não sabiam que o continente existia – os mapas só recebiam os novos territórios depois que os exploradores europeus chegavam a eles. “A ignorância continua crescendo. Não vemos o horizonte, nem o declínio desse mar. Pode ser um sinal de que não exploramos o suficiente ainda.”

O grande perigo, ponderou, é que os instrumentos de pesquisa em áreas como cosmologia e astrofísica estão ficando cada vez maiores e mais caros, e talvez a sociedade e os próprios cientistas desistam desses investimentos. “Espero que isso não aconteça”, disse. O professor encerrou a conferência citando a frase que está na lápide do matemático alemão David Hilbert (1862-1943): “Devemos saber, vamos saber”.

E o Brasil?

Foto: Franscisco Emolo / Jornal da USP
Público lotou auditório do Instituto de Física da USP

Na sessão de perguntas, David Gross foi questionado sobre o que o Brasil deveria fazer para ganhar seu primeiro Nobel em ciências. O professor revelou que somente naquela semana ficara sabendo, ao conversar com o ex-ministro da Ciência e Tecnologia Sérgio Rezende, que o País ainda não tinha nenhum laureado.

“Isso me surpreendeu, porque há muita gente talentosa no Brasil. O ex-ministro me disse que até o final da década de 1960 não havia instituições de pós-graduação aqui. Ou seja, a ciência brasileira ainda é muito nova”, comentou. Agora, porém, há mais instituições de ensino superior, pesquisa e ciência, mas é preciso fortalecê-las e aumentar substancialmente o investimento nelas, que ainda está muito abaixo do que se faz nos países desenvolvidos, defendeu.

“Isso está acontecendo, mas não se dá do dia para a noite”, disse. Para Gross, os cientistas devem exercer seu papel de cidadãos numa democracia para ajudar o governo a compreender a importância dos investimentos na área.

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