Aleitamento materno cresce na América Latina e Caribe, aponta Faculdade de Saúde Pública

Estudo da FSP mostra aumento na prevalência do aleitamento materno exclusivo nas últimas décadas. No Brasil a taxa passou de 25,7% para 45% das crianças, Wolney Lisbôa Conde

Mariana Soares / Agência USP

A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que, dos zero aos 6 meses de idade, todas as crianças se alimentem exclusivamente através do leite materno. Pesquisa realizada na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP analisou essa tendência em países da América Latina e Caribe durante as décadas de 1990 e 2000, descobrindo que neste intervalo houve uma mudança positiva na porcentagem do aleitamento materno exclusivo. A análise englobou Brasil, Colômbia, Peru, Haiti e República Dominicana, e também foi feita segundo variáveis socioeconômicas e demográficas.

Dos cinco países, apenas a República Dominicana apresentou uma diminuição na taxa de aleitamento materno (de 28,3% para 11,3%). O aleitamento materno exclusivo no Brasil passou de 25,7% para 45% das crianças e no Peru de 53,7% para 65,8%. Os aumentos mais significativos ficaram com Colômbia (de 19,7% para 57,8%) e Haiti (de 5,3% para 40%). Para o autor da pesquisa, o nutricionista Vitor Fernandes Bersot, a diferença é estatisticamente significativa em todos os países, ou seja, é improvável que a mudança tenha ocorrido por um acaso. Bersot analisou ainda o aleitamento materno exclusivo pelo tipo de residência da mãe (na zona urbana ou rural), pela escolaridade materna, pelo índice de riqueza da mãe e pelo sexo da criança. Os dados têm abrangência nacional e vêm de inquéritos já existentes de pesquisas Demographic Health Survey realizadas nos países citados, que juntos somam em torno de 50% da população da América Latina e Caribe.

Equidade e equidade inversa

O pesquisador observou que na Colômbia e no Haiti o aumento do aleitamento e de sua duração foi integral, se distribuindo de modo semelhante entre grupos pobres e ricos da população (sentido pró-equidade). No Brasil e na República Dominicana a duração caiu na área rural, região que concentra as parcelas mais pobres da população. As mães menos escolarizadas também tenderam a diminuir o tempo da amamentação, ao contrário das mais escolarizadas e mais ricas. De acordo com Bersot, esse fenômeno é conhecido como equidade inversa, pois houve um desempenho pior nas mães mais vulneráveis. Segundo ele, algumas políticas públicas tendem a beneficiar primeiro os grupos sociais que menos precisam delas. “Durante o período analisado, Colômbia e Haiti passaram por guerras civis e desafios institucionais relevantes. Provavelmente, o Estado se tornou mais atuante e passou a cuidar mais das pessoas. Na área rural, inclusive”, explica.

A respeito do Peru, o nutricionista explica que o país historicamente apresenta taxas elevadas de aleitamento, uma característica ligada à cultura de lá. Por conta disso, não há grande discrepância entre as duas décadas analisadas. “É mais difícil evidenciar aumento de uma taxa que já é bem alta”, diz ele. As análises mostraram, no entanto, que a frequência do aleitamento caiu nas áreas urbanas e entre os mais ricos ou mais escolarizados.

Depois de comparar os dados das duas décadas, o pesquisador analisou separadamente determinantes da década de 2000. Bersot concluiu que o tipo de residência foi a variável que mais se associou à duração do aleitamento exclusivo. No Brasil e na Colômbia, morar na área rural representa um risco maior de abandonar mais cedo o aleitamento, enquanto no Peru a chance de abandono é 60% maior na zona urbana. Na pesquisa, os chamados fatores de confusão de análise foram controlados, isto é, a possibilidade de outros fatores serem capazes de influenciar o fenômeno foi excluída.

O Brasil

No Brasil, também há diferenças significativas na duração do aleitamento conforme o sexo das crianças. As meninas mamam cerca de 40% a mais do que os meninos. Embora seu estudo não dê explicações para os fatos observados, o pesquisador levanta a hipótese dessa diferença estar associada à visão social da mulher como sexo frágil.

O nutricionista afirma que o Brasil é reconhecido por suas políticas de apoio e proteção ao aleitamento materno (por exemplo, a licença maternidade). Por conta disso, ele afirma que foi uma surpresa a discrepância entre as taxas de duração do aleitamento encontradas no País, que demonstraram a falta de equidade.

Os dados brasileiros utlizados no estudo são referentes aos anos de 1996 e 2006. O pesquisador ressalta que os valores calculados devem ser considerados com cautela pelas opções metodológicas que foram feitas para o estudo e porque houve um erro no questionário utilizado para a pesquisa de 1996. Ela não dá a confirmação de que o leite materno era a única fonte de alimentação do bebê. “Assim, há uma margem de erro nos dados brasileiros, mas que não alteram o fato de que a mudança foi significativa. Em 2006, o número real deve ficar por volta dos 39%”, diz ele.

Bersot coloca que o fato de o aleitamento materno exclusivo estar sendo distribuído com equidade em alguns países é um avanço relevante, especialmente para as crianças que têm maior risco de mortalidade. “É importante ter a equidade como uma diretriz, para que não se ampliem as desigualdades já vistas. Deve ser feito um esforço ainda maior para alcançar a mulher da área rural e pobre, além de qualificar os serviços de saúde prestados à população”, recomenda. O pesquisador diz que alguns programas nos países já alcançaram os mais pobres, e que este é um passo importante, pois os países da América Latina e Caribe compartilham experiências e expectativas em diversas áreas, e que em toda a região os gastos sociais per capita aumentaram desde a década de 1990.

O estudo de Vitor Bersot foi orientado por Wolney Lisbôa Conde e é intitulado Mudança temporal do aleitamento materno exclusivo na América Latina e Caribe: atualização de seus determinantes e da tendência secular.

Mais informações: (27) 9952-6959, email vitorfb@usp.br

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