Livro-reportagem produzido por jornalista da ECA narra história de pessoas desaparecidas

Obra jornalística ressalta a importância de valorizar a história de vida de cada pessoa.

Ana Paula Souza/Agência USP de Notícias

Produzido na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, o livro-reportagem Sem Resposta – Dor, luta e esperança na busca por pessoas desaparecidas levanta discussões a respeito de como a sociedade e a justiça brasileiras lidam com o desconhecimento do paradeiro de milhares de pessoas. De autoria da jornalista Rafaela Carvalho, e elaborada entre 2012 e 2013, a obra não apenas traz ao público informações importantes sobre os desaparecimentos no País como também apresenta um questão cujo valor parece óbvio, mas que é menosprezado por muitos: o fato de que a história de cada pessoa é relevante e merece ser valorizada.

O livro é resultado do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) feito por Rafaela para a graduação em Jornalismo. A obra traz seis histórias de pessoas desaparecidas, narrativas que chegaram ao conhecimento da jornalista por meio da ONG Mães em Luta, com a qual Rafaela entrou em contato para a produção do trabalho. No livro-reportagem, é traçado um paralelo entre o desaparecimento e a abertura de uma ferida. Por meio dos depoimentos dos familiares dos personagens da obra, percebe-se, como bem explica Rafaela, que não saber o paradeiro de uma pessoa abre uma lesão íntima cuja ausência de resposta não permite a sua cicatrização. Essa metáfora conduz à reflexão de que há milhares de pessoas feridas no Brasil, cujas trajetórias, tratadas de maneira sensacionalista pela mídia e negligenciadas pela sociedade, não podem ser ignoradas e merecem ser respeitadas. “Parece um universo abafado do nosso cotidiano. Vemos as fotos das pessoas desaparecidas e parece que elas sempre estiveram assim. Tudo que enxergamos é um rosto chapado, sério, em uma foto com a qual não nos relacionamos. Com esse trabalho, passei a ver cada um dos rostos dessas fotos como uma história. Não existe sentido em ignorá-las”.

Onde está a lei?

Cerca de 200 mil brasileiros desaparecem anualmente no País, número que se aproxima do total de habitantes da cidade de São Carlos, no interior de São Paulo. No entanto, apesar das estatísticas alarmantes, não há um dispositivo jurídico que possibilite às famílias um respaldo da lei na busca por seus parentes. Segundo Rafaela, “não existem delegacias especializadas em tratar a questão. E mais: desaparecimento não é considerado crime, especialmente se a pessoa desaparecida for um adulto. Logo, não havendo nenhuma prova material, a polícia não investiga, ou investiga muito pouco. Nesse caso, o Boletim de Ocorrência (BO) não vale absolutamente nada. O documento é só a prova de que o desaparecimento foi notificado, mas ele não serve para quebrar sigilo bancário e começar uma investigação, por exemplo. Quem desaparece deixa de ser protegido pelo Estado, o que significa que deixa de ser um cidadão.”

Questão de luta

Dos sequestros ao tráfico de órgãos, passando, também, pelas fugas voluntárias, são inúmeras as causas dos desaparecimentos em território nacional. No entanto, independentemente das circunstâncias ou do tempo em que uma pessoa encontra-se desaparecida, há quem não deixe de lutar para encontrar novamente aqueles que amam. Entre essas pessoas incansáveis, presentes no livro de Rafaela, está Sandra Moreno, autora do Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Pessoa Desaparecida no Brasil, que visa à promoção de mudanças no tratamento dos casos de desaparecimentos no País. Sandra é mãe de Ana Paula Moreno, que desapareceu no ano de 2009 quando estava indo para o trabalho. Desde então, a mãe se tornou uma das principais protagonistas na luta pela procura de pessoas desaparecidas.

“Todo desaparecido é um ser humano e esse ser humano já esteve ‘aparecido’. Amanhã pode ser qualquer pessoa”, reflete a jornalista. “São 200 mil desaparecidos no Brasil por ano, mas esse dado é uma estimativa, esse número pode ser muito maior. Vamos realmente ficar sem fazer nada?”.

Uma reflexão para o jornalismo

“Depois desse trabalho, percebi que aquilo pelo que sempre brigo no jornalismo é real. Todas as histórias têm relevância”, ressalta Rafaela. Para a jornalista, nenhuma história é menor do que outra e todas merecem atenção. “Uma coisa que o professor Eugênio Bucci, meu orientador, falou na minha defesa é que o que envelhece o jornalista é ele contar essas histórias, se envolver e depois se afastar. Assim, percebi que, como jornalista, minha função é contar histórias como as seis que estão no meu TCC e ir para o mundo com a noção de que nenhuma é menos relevante que a outra, e que cabe ao jornalista jogar luz sobre todas elas.”

Mais informações: email rafaela2201@gmail.com

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