Desenvolvimento tecnológico contribui para abertura do mercado musical

A banalização da técnica de produção da música permite a pequenas empresas coexistirem com grandes dos setor.

Hérika Dias / Agência USP de Notícias

Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP analisou produção, distribuição, comercialização e consumo de música em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife e Goiânia a partir do trabalho de pequenas e microempresas. O estudo observou que o Estado brasileiro tem uma participação ativa em todo o processo de produção musical destas cidades. Além disso, o desenvolvimento tecnológico possibilitou a disseminação das técnicas ligadas à produção e gravação de discos, permitindo a abertura do mercado musical a micro e pequenas empresas.

O estudo aponta ainda que, embora a técnica (computadores, programas digitalizadores de som, programas de difusão e execução de músicas) nas cidades analisadas sejam similares, o peso da cultura local produz resultados diferentes em cada lugar, gera músicas com discursos diferentes. Segundo o geógrafo e autor da pesquisa, Villy Creuz, a escolha das capitais foi pensada de acordo com a representatividade cultural delas.

“São Paulo e Rio de Janeiro são identificados como lugares que concentram as grandes empresas fonográficas brasileiras. Goiânia possui forte influência como metrópole regional do Centro-Oeste e se destaca pelas produções musicais evangélicas e sertanejas. Recife foi escolhida pela sua produção de maracatu, movimento do mangue beat, forró e frevo. Além de ser uma importante capital regional, onde se concentram serviços, indústria, comércio e população, Porto Alegre tem forte representatividade da cultura sulista”, explica Creuz.

Para elaborar um retrato territorial do trabalho das pequenas e microempresas do setor musical nestas capitais, o pesquisador utilizou a teoria dos circuitos da economia urbana. Formulada pelo geógrafo Milton Santos no final da década de 1960, ela visa interpretar a economia política das cidades a partir da análise de três variáveis: graus de capital, organização e tecnologias pelos diferentes atores sociais. A teoria funciona a partir de dois subsistemas: o superior, composto pelas grandes empresas, bancos, atividades ligadas à alta tecnologia; e o inferior, com atividades de pequena dimensão, com o uso de mão de obra intensiva e de pouco capital.

Segundo o pesquisador, “ambos os circuitos interagem e estão vinculados, dependem um do outro e estabelecem relações”. Dentro do ramo musical, um exemplo de circuito superior seriam as grandes gravadoras, como Sony, Som Livre, Universal, EMI. Já o circuito inferior seriam os ambulantes de venda de CDs, DVDs, microempresas de venda discos nos centros urbanos.

“O foco da nossa pesquisa foram os pequenos e micro estúdios de gravação, gravadoras, casas de shows, casas que vendem discos. Essas empresas se situam na porção marginal do circuito superior da economia urbana. Significa que elas estão em uma posição intermediária, com uma forma de organização menos arrojada do que as grandes empresas e menor volume de capital, mas utiliza-se das técnicas modernas de produção, distribuição”, afirma o Creuz.

Pesquisa

Para realizar o estudo, o geógrafo aplicou questionários para verificar, sobretudo, os aspectos econômicos das empresas, como quantas pessoas trabalhavam no local, se o espaço era próprio ou não, se havia propaganda, se a empresa possuía crédito em bancos para pessoa física ou jurídica, ou em banco público ou privado, qual a margem de lucro, etc.

Segundo Creuz, a partir dos anos 2000, fatores como a combinação do aumento de crédito para pessoas físicas, a disseminação de tecnologias de produção, distribuição e comercialização musical, além da demanda por música, possibilitou a abertura do mercado para pequenos e microempresários. “Percebemos que a técnica de gravações de música se tornou universal, assim como os aparatos tecnológicos. O modo de produzir música em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre e Goiânia é igual, o que vai diferenciar é a iconografia musical, ritmos e discursos musicais ligados ao local de origem”.

O geógrafo destaca ainda a intensa participação do Estado brasileiro no fomento da produção musical tanto para grandes quanto para pequenas e microempresas. “O Estado está presente na economia urbana da música nestas capitais brasileiras do início ao fim. Ele atua como um acelerador, disponibilizando editais de fomentos culturais para todos os setores, e como freio ao adotar regras contra a pirataria favorecendo grandes grupos da indústria musical em detrimento aos ambulantes”.

Mais informações: email villy.creuz@usp.br, com Villy Creuz

Scroll to top