Dona Maria e Tatá: muito além de um cafezinho

A hora do café na Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP é sempre muito especial, acompanhada do bom humor e carinho de Dona Maria e Tatá.
Foto: Marcos Santos / USP Imagens
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O cheirinho é convidativo, e mesmo aqueles funcionários que não gostam muito de café acabam não resistindo: vão até a copa. Mas tomar um café na Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP representa bem mais que um simples café. Quem vai buscar o seu é sempre presenteado com o bom humor e o carinho das auxiliares de serviço geral Maria de Lourdes Tomaz e Cleonice de Souza Henrique, ou melhor, Dona Maria e Tatá. As amigas compartilham, há mais de 30 anos, a vida na Universidade.

Celebridades como são, foi quase impossível entrevistá-las sem que fossem interrompidas com os beijos e abraços dos funcionários que apareciam para um cafezinho. Dona Maria faz parte da equipe de comunicação desde que entrou na USP, como servente da antiga Coordenadoria de Atividades Culturais (Codac), atual SCS. Já Tatá passou 17 anos trabalhando na limpeza do Anfiteatro Camargo Guarnieri. Mas foi no Prédio da Reitoria, após ser transferida, que conheceu Dona Maria.

A amizade surgiu na Reitoria

“Começamos a nos entrosar lá na Reitoria”. Maria lembra que a colega era responsável pelo quinto andar, enquanto ela ficava no terceiro – agora a distância entre as duas é menor, já que a SCS ocupa os quarto e quinto andares do Bloco L da Administração Central. Na época, apesar da distância física medida em andares, as duas passavam o tempo livre juntas. “Ela sempre ia almoçar comigo”, lembra Tatá.

Foto: Marcos Santos / USP Imagens
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Diz Tatá que passa mais tempo na USP do que em casa. Mas não que para ela isso seja um problema. “Gosto muito das paisagens, acho a USP a coisa mais linda”. E no meio deste cenário ela não consegue passar despercebida. “Dou risada sozinha porque todo mundo me conhece, e me chama de Tatazinha!”. Segundo a auxiliar, até mesmo os cachorros que vivem no campus a reconhecem.

Mas a amizade das duas ultrapassa os muros da Universidade: estão juntas em festas de família, passeios e até mesmo em uma ou outra partida de bingo.

“A USP é minha vida”

A estabilidade oferecida pelo serviço público era um sonho para Tatá desde antes de se mudar para São Paulo. No interior do Maranhão, a auxiliar foi responsável pela alfabetização das crianças da sua cidade – isso bem precocemente. Orgulhosa, lembra de sempre ter tirado nota dez e ter sido aprovada para o ginásio diretamente, mas desistiu dos estudos por amor – queria se casar. “Meu pai disse para que eu não casasse com o rapaz, mas respondi que se não casasse, eu me mataria”. E casou. Após anos de um relacionamento de altos e baixos, no entanto, Tatá fugiu com os filhos para São Paulo. “Vim com um vestido na sacola”, lembra.

Foto: Marcos Santos / USP Imagens
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Antes de entrar para a equipe de limpeza da Universidade, Tatá atuou como recepcionista em um pronto socorro da cidade. A auxiliar não hesitou em trocar o antigo emprego para trabalhar com um serviço mais pesado, dentro da USP. “Preferi vir para cá, porque assim pude cuidar melhor dos meus filhos”, explica, ao afirmar que não se arrepende da escolha. Com o emprego, foi possível criar os filhos e netos, que frequentaram a Escola de Aplicação da Faculdade de Educação (FE) e completaram os estudos em outras instituições de ensino superior.

A criação dos filhos é também orgulho de Dona Maria, “com a graça de Deus”. Principalmente do filho que trabalha, assim como ela, na USP,  no Museu de Arte Contemporânea (MAC). Quando questionada se era feliz, foi enfática: “sou, eu adoro a USP”. Revela que, apesar de brigar às vezes – e Tatá é testemunha de como Dona Maria é geniosa – ela adora suas “amiguinhas” e os “meninos”, se referindo aos outros funcionários do prédio que sentaram para ouvir as histórias das duas na copa do quarto andar. “Passei poucas e boas, mas estou aqui, feliz e dando risada”, diz, enquanto enche a copa com sua gargalhada característica. “Essa Universidade vai ficar em mim para o resto da minha vida”.

Ela é a festa

Entre os momentos mais marcantes destes mais de 30 anos na Universidade, Dona Maria ressalta as gravações do programa O Samba Pede Passagem, da Rádio USP, apresentado pelo pesquisador Moisés da Rocha. A emissão traz clássicos e novos sons do ritmo brasileiro.

“Muitos artistas iam na rádio, então chamavam a gente para servir café”. Com seu cafezinho, Maria pôde conhecer sambistas consagrados da música brasileira, além de se divertir um pouquinho – por que não?  “A gente não via a hora de chegar a sexta-feira para cair na gandaia, aqui no Anfiteatro onde a Tatá trabalhava”, confessa Maria.

Mas o que Tatá e Dona Maria sentem falta mesmo é das “festas de arromba” que eram organizadas pelos funcionários todo fim de ano. “Quem passava na rua entrava para a nossa festa”, lembra. Membros importantes da organização dos banquetes, as duas arregaçavam as mangas e mostravam os dotes na cozinha para a preparação dos petiscos que iam desde as compras no Ceasa até a mesa dos convidados – e tudo “sem regular comida”.

É com carinho que elas lembram dos amigos e colegas que passaram pela SCS. Dona Maria se anima ao contar que, em um de seus aniversários, recebeu um cartão assinado pelo estagiário que viria a ser o âncora do telejornal Jornal Nacional, o ex-uspiano, William Bonner. “O William era muito bacana, a gente dava risada”. A auxiliar lembra que toda quinta eles iam à feira para comer pastel. “Na última vez que ele veio à USP, ele foi me procurar, e quando me viu, falou ‘ô mulher, você ainda tá aí?’ e caímos na gargalhada”.

“Vou sentir quando for embora”

Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Uma família. É assim que as duas se sentem em relação à Universidade que as acolheu há mais de três décadas. Tatá, por exemplo, sente falta dos amigos que deixou no Anfiteatro, e dos que acabaram deixando-a. “Morreram vários com quem eu trabalhei, muitas pessoas se foram”. Já outros, quando a encontram, fazem questão de cumprimentar. “Outro dia eu encontrei uma colega na porta do banco, e ela disse ‘você está bonitinha!’ e eu respondi ‘mas estou linda, não bonitinha’”, e assim como a amiga, preencheu a copa com uma larga risada.

Maria também se lembra do tempo que passou e sente pelos amigos que perdeu. “Ah, a gente passou uma vida aqui”. Foi na Universidade, como conta a auxiliar, que teve a oportunidade de conquistar muitas coisas na vida. Dona Maria não sabe ao certo o que vai fazer quando sair da USP, mas reconhece que todo mundo precisa descansar uma hora. Para ela, o que vai acontecer “só Deus é quem sabe. Mas vou sentir quando for embora”.

“Eu adoro esse pessoal”, retoma Tatá, “só saio de férias por que é o jeito”. Uma vez perguntaram para ela se não estava cansada de se levantar tão cedo para poder chegar em tempo para o trabalho. Mas a resposta saiu sem hesitação: “não canso de ir pra USP”.

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