Dario Simões Zamboni: na ciência e na vida, sucesso antes dos 40

A lista “40 under 40”, uma homenagem aos 40 anos de criação da Cell, contém o nome de um único brasileiro, o professor Dario Simões Zamboni, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

Rosemeire Soares Talamone para o Jornal da USP

Foto: Divulgação / João Neves
Dario Simões Zamboni: foco na qualidade em detrimento da quantidade garantiu indicação, acredita o pesquisador

Em maio passado, a revista científica norte-americana Cell publicou uma lista contendo nomes dos 40 jovens cientistas com menos de 40 anos mais promissores na área de ciências da vida. Denominada “40 under 40”, uma homenagem aos 40 anos de criação da Cell, a lista contém o nome de um único brasileiro, o professor Dario Simões Zamboni, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

Tentando explicar a escolha de seu nome, Zamboni acredita que se deva ao impacto produzido por seus trabalhos científicos, que focam a qualidade em detrimento da quantidade. Um desses trabalhos foi publicado ano passado na revista britânica Nature Medicine. Nele, a equipe liderada pelo pesquisador brasileiro desvenda os mecanismos celulares de organismos de mamíferos que debelam a infecção causada pelo parasita causador da leishmaniose.

Outro fato que explica sua presença na lista, continua o pesquisador, deve-se à sua constante atividade e discussões, em congressos, blogs e outros meios, acerca da importância da realização de uma pesquisa mais focada em qualidade no País: “Nos últimos anos a comunidade científica brasileira obteve um louvável aumento no número de publicações científicas. Hoje contribuímos com cerca de 2,7% do número total de artigos publicados mundialmente. Agora chegou a hora de focarmos e cobrarmos mais qualidade dos artigos produzidos pelos grupos de excelência”, diz Zamboni.

Ciência de qualidade

Sobre os desafios da pesquisa científica brasileira, Zamboni diz que os pesquisadores nacionais precisam acompanhar de perto os avanços tecnológicos, que estão cada vez mais rápidos. “Estamos melhor do que no passado, produzindo ciência de boa qualidade, com grupos mais sólidos. Mas não podemos achar que está bom assim e parar de fazer colaborações e intercâmbios, principalmente com pesquisadores do exterior. Não podemos focar só os números”, ressalta, lembrando que tudo isso depende de investimentos e de um ambiente propício, o que ele diz ter encontrado na FMRP.

Contratado em 2006 pela FMRP, após três anos e meio na Universidade de Yale, Estados Unidos, onde fez pós-doutorado, o professor Zamboni já conta com diversos trabalhos de alta qualidade científica produzidos no Brasil. Entre os trabalhos nos quais o pesquisador figura como autor correspondente destacam-se alguns publicados em revistas de excelência, como PNAS, Plos Pathogens, Cellular Microbiology, Infection and Immunity, Journal of Immunology e a própria Nature Medicine.

Estamos melhor do que no passado, produzindo ciência de boa qualidade, com grupos mais sólidos. Mas não podemos achar que está bom assim e parar de fazer colaborações e intercâmbios.

Foto: Arquivo Mídias Online / USP
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto

Mesmo tendo publicado cerca de 45 artigos em periódicos internacionais, ele faz questão de deixar clara sua preocupação com a qualidade da produção científica que é produzida no País e cita um fato que ilustra bem seu ponto de vista. “Quando fui contratado, já com trabalhos publicados em revistas de alto impacto, eu me inscrevi para ter um técnico especializado no Procontes (Programa de Concessão de Pessoal Técnico de Nível Superior a pesquisadores de excelência da Pró-Reitoria de Pesquisa da USP). Na análise, fiquei em último lugar, pois o que contava na avaliação era o número de publicações.”

Ensino de ciência

Zamboni nasceu em Jaboticabal (SP), a 58 quilômetros de Ribeirão Preto, mas cresceu e se formou em Brasília (DF). O pai, agrônomo formado pela Unesp de Jaboticabal, e a mãe, professora de linguística, são professores aposentados da Universidade de Brasília (UnB). Na capital federal, cursou metade do ensino fundamental na escola pública e metade, na escola privada.

Sua inserção no mundo científico aconteceu muito cedo. O professor acredita que um dos seus maiores incentivos tenha sido o presente do avô paterno: um microscópio, que ganhou quando tinha 8 anos de idade. “Eu adorei. Efetivamente, comecei a olhar para as coisas microscópicas. Meu primeiro contato com a microbiologia foi nessa época.”

Ainda no ensino médio, participou de um programa experimental de pré-iniciação científica com o professor Isaac Roitman, na Universidade de Brasília (UnB). “O professor Isaac sempre foi um visionário na área de educação e sempre dizia que, quanto mais cedo um pesquisador entrar em contato com o raciocínio científico, melhor.” Zamboni acrescenta que o desenvolvimento científico no Brasil começa muito atrasado, só em meados da graduação ou no mestrado e no doutorado. Assim o pesquisador em formação perde anos preciosos, quando poderia estar exercitando o raciocínio científico.

Como aluno do ensino médio, participou de congressos científicos na área de protozoologia. Daí para o curso de Biologia na UnB foi um passo, e não parou mais. Considera fundamental a experiência precoce na UnB para a carreira que abraçou. “Quanto mais adiantar esse processo, melhor. Por isso a importância dos projetos de pré-iniciação científica.”

Ainda na graduação, passou por algumas áreas da biologia e descobriu seu gosto pela pergunta científica. “Na UnB, o aluno tem muito tempo livre para usufruir a Universidade, o que é diferente da USP, que tem uma carga horária muito pesada.” Para o pesquisador, muitas vezes os alunos passam pela USP sem conhecê-la. Saem com uma quantidade de matéria teórica bem assimilada, mas sem ter usufruído do que a Universidade está desenvolvendo em relação aos trabalhos de investigação científica.

Logo depois veio a pós-graduação, com um doutorado direto na Universidade Federal de São Paulo (Escola Paulista de Medicina), sob orientação do professor Michel Rabinovitch. Durante o doutoramento, realizou um doutorado-sanduíche na Universidade de Yale, Estados Unidos, aonde voltou para o pós-doutorado, entre 2003 e 2006. “Recebi uma bolsa do Programa Pew, entidade norte-americana que seleciona dez estudantes de toda a América Latina para pós-docs em laboratórios de altíssima excelência nos Estados Unidos e depois ainda financiam o laboratório desses bolsistas, quando eles retornam para a América Latina.”

Professor e pai

A escolha de Ribeirão Preto para se estabelecer não foi a única opção. Vislumbrou, também, fincar raízes em Belo Horizonte ou São Paulo. “Mas surgiu um concurso na área de bacteriologia, justamente em que eu estava trabalhando no meu pós-doutorado. Por isso resolvi prestar esse concurso e fui aprovado”, conta.

Foto: Divulgação / João NevesDario Simões Zamboni

Se alguém pensa que sua vida virou do avesso, está enganado. Mesmo dando aula nos cinco cursos da FMRP, orientando 16 alunos e assumindo diversos cargos administrativos, o pesquisador não se desespera com o volume de trabalho. Ainda dá tempo de se dedicar aos dois filhos, Bruno, de 6 anos, e Carolina, de 4 anos. Não abre mão de almoçar com eles diariamente, pegá-los na escola no final da tarde e jantar na companhia da esposa e dos pequenos. O jantar em família só não acontece nos dias em que vai para a academia. Afinal, mesmo antes dos 40 precisa cuidar do corpo.

Na Universidade, ainda deu tempo de trabalhar na criação de uma disciplina específica para os alunos de Informática Biomédica. “Foi um desafio. A linguagem dos cursos é bem diferente. A microbiologia em Medicina é diferente da ensinada em Nutrição. Com a criação da nova disciplina, damos mais aulas, mas conseguimos focar mais a atuação do bioinformata.”

Na pesquisa, atualmente Zamboni se dedica às áreas de microbiologia e imunologia, com ênfase na interação patógeno-célula hospedeira e em aspectos da patogenicidade microbiana e imunidade inata. Trabalha mais especificamente com a bactéria Legionella pneumophila, causadora da pneumonia, que também era seu foco de estudos no exterior. Uma pesquisa de tríplice fronteira, segundo Zamboni, entre a biologia celular, a microbiologia e a imunologia.

Doenças negligenciadas

No Brasil, além dos estudos com a Legionella, Zamboni se interessou por outros patógenos, como a Leishmania, protozoário negligenciado pelas autoridades de saúde, segundo o pesquisador, e causador da Leishmaniose, uma doença ainda importante no Brasil. “Temos metade do laboratório pesquisando bactérias e, a outra metade, protozoários.” Mas o professor diz que se trata de uma só linha de pesquisa, pois tanto a bactéria quanto o parasita entram na célula e se replicam, e a célula terá reações similares: reconhecer e ativar o sistema imune. “O que fazemos é usar modelos diferentes para olhar essa interação de uma forma mais global”, explica.

Foto: Marcos Santos / USP Imagens

O professor diz que as pesquisas no seu laboratório podem, a longo prazo, ajudar a descobrir processos de imunização e a desenvolver vacinas que ajudem em tratamentos específicos contra os patógenos. “Nossas pesquisas não têm uma aplicação direta, mas, como pesquisas básicas, são essenciais para entender processos, como a sinalização celular, por exemplo, que operam na eliminação de micróbios.”

Várias das pesquisas realizadas revelaram processos intracelulares de ativação de receptores intracelulares, como, por exemplo, aqueles citados no artigo publicado na Nature no ano passado. “Foi o primeiro que mostrou que a via de sinalização dependente dos inflamassomas opera durante a infecção por Leishmania. A ativação dos inflamassomas nos macrófagos vai ajudar na produção do óxido nítrico, que ajuda a eliminar a Leishmania. Tudo isso é essencial para entender como ocorre o controle das infecções.”

Todo esse destaque internacional, que resulta de trabalho planejado e minucioso, ele atribui a quatro fatores principais: a excelência dos estudantes vinculados ao laboratório; o apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de são Paulo); a competência e a dedicação de uma técnica de nível médio, Maira Nakamura; e a compreensão e companheirismo da esposa, Tiana Kohlsdorf, que também é docente da Universidade e entende seu universo.

Depois de desfilar tanta atividade, o professor revela que ainda encontra tempo para se dedicar ao seu grande hobby, o cultivo de orquídeas. Tem uma coleção com cerca de 300 mudas, principalmente de espécies brasileiras de Brasilaelias e de Cattleyas bifolhadas.

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