Demonstração de gastos equivocada desvaloriza serviço público, diz estudo

Preocupação de linha de pesquisa da FEA é a de construir modelos teóricos que, a partir da contabilidade, façam com que a sociedade compreenda o valor do servidor e do serviço público.
Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Visão de que o Estado cobra muitos impostos e que o funcionário público ganha bem e não faz nada é errônea, indica pesquisador

O serviço público é subvalorizado na sociedade brasileira. A ideia de que o funcionário do Estado é um peso nas contas do país é erroneamente disseminada, de acordo com análises da linha de pesquisa “Modelos Teóricos e Práticos de Controladoria e Contabilidade Pública Governamental que Possibilitem a Simetria Informacional entre o Estado e a Sociedade”.

Os estudos que identificam esta distorção são desenvolvidos no Laboratório de Controladoria e Contabilidade Pública da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP. A preocupação é a de construir modelos teóricos que, a partir da contabilidade, façam com que a sociedade compreenda o valor do servidor e do serviço público.

O professor Valmor Slomski iniciou a linha de pesquisa em seu mestrado, em 1993. Para ele, “a sociedade olha para os meios estatais com certo desprezo, porque a visão é de que o Estado cobra muitos impostos e que o funcionário público ganha bem e não faz nada.”

Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Para pesquisador, não pagamos impostos, e sim integralizamos capital

Slomski teve duas oportunidades de trabalhar na administração pública: como contador geral na prefeitura de Chapecó, em Santa Catarina, e depois como secretário geral em um município na fronteira com a Argentina. Com essa experiência, pôde perceber que os concursados exerciam suas tarefas muito bem e até trabalhavam a mais do que o previsto na carga horária obrigatória.

Na FEA, ele começou a estudar uma nova maneira de mudar a imagem que a sociedade tem do serviço público. No mestrado, sua dissertação afirmava que essas atividades produzem lucro para o Estado e, para corroborar isso, construiu uma nova demonstração contábil para o setor público.

A Nova Demonstração Contábil

Hoje, essa demonstração é o Anexo 20 da Lei 4320 e, em 2008, passou a ser obrigatória pelo Conselho Nacional de Contabilidade. Em 2009, a Secretaria do Tesouro Nacional a adotou como uma demonstração para evidenciar o resultado econômico.

Observando o gasto público, por exemplo, é possível identificar que a USP recebe R$ 6 bilhões por ano do ICMS e gasta o total dessa verba. Entretanto, ela produz um serviço que possui um valor, que deve ser apontado.

Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Nova Demonstração contabiliza valor dos serviços para a sociedade

Tomemos como exemplo uma professora do ensino público fundamental que recebe R$ 1.000, valor que a sociedade considera alto. Essa funcionária ensina, em média, 30 crianças. No mercado, o preço dessa profissional seria, por baixo, R$ 100 por aluno – assim, o serviço vale para a sociedade R$ 3.000. No entanto, a sociedade paga bem menos.

A despesa, nesse caso, é de R$ 1.000, assim como a receita de impostos. Ainda, a administração pública produz demonstrações contábeis dessa maneira. Entretanto, o serviço que a professora produziu vale R$ 3.000 e custou três vezes menos para a sociedade, portanto a funcionária pública rendeu R$ 2.000 de lucro econômico para o Estado.

A pesquisa buscou mostrar à sociedade uma outra perspectiva sobre o serviço público. “É claro que a gente arrecada R$ 1.000 e gasta R$ 1.000, mas o serviço produzido vale normalmente mais do que custa”, argumenta Slomski.

A linha de pesquisa foi construída para, a partir dessa abordagem, produzir modelos teóricos que minimizem o problema da assimetria informacional. “A informação, sem o lucro, estaria correta, mas no mundo capitalista a despesa tem que ser menor do que a receita, tem de haver lucro”, destaca o professor.

Sua tese se desenvolveu no estudo feito para o Doutorado, em que a afirmação principal é que não pagamos impostos, e sim integralizamos capital. “Nós pertencemos a uma sociedade e a contabilidade evidencia os resultados contábeis dela”, diz.

Os cidadãos ainda não entendem que o pagamento de impostos é integralização de capital, como se fossem sócios de uma empresa, porque a demonstração de gastos é feita de forma equivocada.

A Sociedade Estado protege e constrói o bem comum, sendo o ente que possibilitou o desenvolvimento do caos para uma sociedade organizada. A partir da segunda guerra mundial, ele cresce do ponto de vista de produção de serviços.

Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Antes o Estado apenas controlava as fronteiras e fazia relações internacionais. Seu papel era coibir invasões e se relacionar com as outras nações, e, portanto, consumia poucos tributos. Com o tempo, ele passa a ser um provedor de serviços para a produção do bem comum.

No Brasil, principalmente, o Estado é um grande produtor de serviços: saúde, educação, transportes. E para que o gestor público possa desenvolvê-los, ele deve cobrar tributos. A carta constitucional brasileira de 1988 infere que devemos pagá-los sobre um conjunto de situações: renda, transporte, moradia, consumo. “Porém, entendemos que esse cobrador de tributos entrega pouco, porque a prestação de contas é ruim”, explica o docente.

A pesquisa de Slomski, então, conclui: o Estado cobra tributos e presta serviços que, se mensurados pelo seu custo oportunidade (já que o cidadão teria que pagar se não houvesse serviço público),  produzem o lucro. Mas os cidadãos ainda não entendem que o pagamento de impostos é integralização de capital, como se fossem sócios de uma empresa, porque a demonstração de gastos é feita de forma equivocada.

Scroll to top