Equipe com cientistas do IF desenvolve método que pode prever grandes enchentes

Técnicas de redes complexas analisam dados meteorológicos de satélite e permitem construir sistema de alerta.

Da Agência USP de Notícias

Um novo método desenvolvido por cientistas alemães e brasileiros, em estudo com participação do Instituto de Física (IF) da USP, pode prever enchentes que acontecem devido a eventos extremos de precipitação na região central dos Andes, na Argentina e Bolívia. Os pesquisadores aplicaram a técnica de redes complexas a dados meteorológicos obtidos por satélite e conseguiram construir um sistema de alerta robusto, que pode permitir maior preparação para desastres naturais, uma adaptação importante em um cenário de mudanças climáticas. Como a técnica de redes complexas é construída com base em comparações matemáticas que podem ser aplicadas a qualquer série temporal, a abordagem poderia ser inclusive aplicada a eventos extremos em outros sistemas complexos. Um artigo sobre o trabalho foi publicado no dia 14 de outubro na revista científica “Nature Communications”.

“Os modelos atuais de previsão de tempo não conseguem capturar a intensidade dos eventos de precipitação mais extremos, mas estes são justamente os mais perigosos e que podem ter impactos mais severos para a população local, por exemplo, em termos de inundações e deslizamentos de terra”, disse o autor principal do artigo, Niklas Boers, do Instituto de Pesquisas em Impactos Climáticos de Potsdam (PIK), na Alemanha. “Utilizando a análise de redes complexas, nós encontramos uma maneira de prever estes eventos nos Andes centrais”.

A monção da América do Sul se estabelece entre dezembro e fevereiro e traz massas de ar quente e úmida do Atlântico tropical. Ao se propagarem para oeste, os ventos alísios são bloqueados pelos Andes, montanhas com altitude de 3 a 5 mil metros, e viram em direção ao sul. Sob condições específicas de pressão atmosférica, estas massas de ar quente, carregadas com umidade, encontram os ventos frios e secos vindos do Sul. Este contraste resulta em chuva abundante principalmente sobre as regiões de topografia mais elevada, resultando em enchentes severas nas encostas dos Andes na Argentina e na Bolívia, regiões com alta densidade populacional.

“Nós estávamos investigando o papel da floresta amazônica na precipitação sobre a América do Sul, e esperávamos encontrar eventos extremos de precipitação se deslocando para o sul, de acordo com o caminho dos ventos que transportam a umidade da Amazônia para a região subtropical da América do Sul”, disse o co-autor Henrique Barbosa, professor do IF. “Surpreendentemente, e contrário ao entendimento científico estabelecido, observamos que estes eventos extremos se propagam em direção contrária aos ventos que vão para o sul”, disse Boers.

Dados meteorológicos

O time internacional de cientistas analisou em torno de 50,000 séries temporais de dados meteorológicos em alta resolução, referentes aos últimos 15 anos quando dados de satélite de alta qualidade, disponibilizados pela NASA e pela Agência de Exploração Aeroespacial Japonesa, tornaram-se disponíveis. “Nós encontramos que estes grandes sistemas convectivos surgem na área em torno de Buenos Aires, mas depois se propagam para noroeste em direção aos Andes, onde dois dias depois eles causam eventos extremos de precipitação”, disse Boers. O novo método permite prever corretamente 90% dos eventos extremos de precipitação nesta região em anos de El Niño, quando as enchentes são mais frequentes, e mais de 60% dos eventos extremos nos outros anos.

“Apesar da dificuldade em obter estes resultados, as instituições locais podem agora aplicar nossa metodologia facilmente usando dados que já estão disponíveis, o que pode ajudar muito”, disse o co-autor José Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Eventos extremos de precipitação podem resultar em enchentes que, apenas em 2007 por exemplo, foram responsáveis por prejuízos acima de 400 milhões de dólares na região. Depende agora dos países afetados adaptar a sua estratégia de preparação e prevenção de desastres”.

“Comparar dados meteorológicos pode parecer muito simples, mas apenas com a aplicação das novas ferramentas matemáticas que nós desenvolvemos foi possível detectar as intrincadas conexões que levam aos eventos extremos”, disse o co-autor Jürgen Kurths, diretor do grupo de Metodologias e Conceitos Transdisciplinares do PIK. “Os dados estavam lá, mas ninguém havia ainda ligado os pontos. Nosso método pode agora ser aplicado na previsão de outras mudanças extremas em séries temporais de outros sistemas complexos, como mercado financeiro, atividade cerebral, ou até mesmo terremotos”.

A pesquisa foi realizada dentro do projeto “Dynamical Phenomena in Complex Networks: Fundamentals and Applications”, da Fundação de Amparo à pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa (DFG). Os coordenadores do projeto são Elbert Macau, do Inpe, e Jürgen Kurts, do PIK. Os estudos tiveram a participação do Laboratório de Física da Atmosfera do IF, por meio do professor Henrique Barbosa, do Departamento de Física Aplicada. O artigo “Prediction of extreme floods in the eastern central Andes based on a complex networks approach”, publicado em 14 de outubro na “Nature Communications”, pode ser consultado neste link.

Com informações da Assessoria de Imprensa do Potsdam Institute for Climate Impact Research

Mais informações: (11) 98380-8001; email hbarbosa@if.usp.br, com o professor Henrique Barbosa

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