Pesquisa da FFLCRP revela que médicos não associam estresse à dura rotina de trabalho

Médicos entrevistados diversos fatores para sua vida estressante, mas não conseguiram chegar sozinhos a conclusão de como o modelo de saúde ali desenvolvido contribuía para esses problemas.

Paloma Rodrigues / Agência USP de Notícias

Médicos do Sistema Único de Saúde (SUS) não têm consciência da pressão que a rotina do trabalho exerce em suas vidas. Em estudo realizado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFLCRP) da USP, o psicólogo Luiz Chiavegato Filho entrevistou médicos e gestores da cidade de Jaguariúna, no interior de São Paulo. Eles apontaram diversos fatores para sua vida estressante, mas não conseguiram chegar sozinhos a conclusão de como o modelo de saúde ali desenvolvido contribuía para esses problemas.

Chiavegato já havia trabalhado na prefeitura de Jaguariúna desenvolvendo políticas públicas para o trabalhador. Foi quando ele percebeu que a maneira como se estruturavam as Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município não consideravam o trabalho real e as necessidades dos médicos. “Eles têm uma estrutura rígida de organização. Um médico sabe que tem de atender um paciente a cada quinze minutos, quatro por hora. Eles ficam constantemente sob pressão”, diz o pesquisador, que é professor adjunto da Universidade Federal de São João Del-Rei (MG).

Para o psicólogo, a criação do SUS foi um passo muito importante para a conquista de qualidade na saúde pública brasileira. Entretanto, a gestão das relações de trabalho e organização das práticas de saúde ainda são um importante desafio. Isso porque, historicamente, questões como atendimento clínico são privilegiadas, enquanto que ações para o interesse coletivo, desprecarização do trabalho, construção de um plano de carreira e redução da rotatividade são deixados de lado.

Ao todo foram entrevistados 15 médicos, além de dois gestores das UBS. O pré-requisito para participar do estudo era trabalhar na unidade há mais de um ano e que, de um modo geral, todas as unidades da cidade fossem contempladas com ao menos um trabalhador inserido na pesquisa. “Muitos médicos disseram que gostariam de se sentir parte de uma equipe. Ficar isolado no trabalho individual só atrapalha aquelas pessoas, porque elas não têm com quem dividir suas experiências. Os recursos coletivos são muito importantes”, diz. Uma solução seria aumentar a participação dos médicos e demais profissionais da saúde na construção do processo de trabalho nas UBS’s, promovendo ambientes laborais mais saudáveis e estimulantes.

Apesar dos problemas encontrados, o pesquisador alerta que Jaguariúna é uma cidade onde, pode-se dizer, os recursos financeiros são abundantes e possui uma estrutura muito superior à maioria do País. A realidade de outras cidades é ainda pior.

A tese de doutorado Trabalho e saúde: estudo com médicos do Sistema Único de Saúde de Jaguariúna (SP), na perspectiva da clínica da atividade foi defendida em abril de 2011.

Distúrbios

Diversos estudos realizados na última década mostram que a classe médica brasileira passa por um período de enormes transformações compondo um novo cenário que altera as condições e a organização do trabalho, repercutindo na saúde desses profissionais. O mesmo pode ser constatado por Chiavegato em sua pesquisa, onde a hipertensão e os distúrbios psíquicos menores, sob a forma de estresse, ansiedade e depressão foram os principais problemas de saúde relatados.

Contudo, mesmo passando por esses problemas, os médicos não pedem afastamento. Eles não conseguem identificar na causa desses distúrbios a rotina estressante. “Como geralmente são problemas pequenos, eles acreditam que o problema está com eles mesmos. É impressionante, mas eles não pedem afastamento por acharem que a culpa está neles e não na estrutura do trabalho”, comenta.

Com a orientação da professora Vera Lucia Navarro, também da FFLCRP, Chiavegato realizou encontros entre os médicos, destinados a discutir sobre suas rotinas. Foi então que aconteceu a retomada de consciência. “Quando eles conversaram com seus semelhantes sobre suas angústias,  como a falta de trabalho em equipe, por exemplo, é que eles se deram conta de que o problema pode ter uma origem mais profunda, dentro do próprio processo de trabalho.”

O pesquisador diz que é preciso que esses profissionais identifiquem em suas rotinas o motivo para tantos desconfortos. Esses chamados “distúrbios psíquicos menores” precisam receber a devida atenção, pois comprometem a qualidade de vida daquelas pessoas.

Mais informações: email rafanini@hotmail.com, com Luiz Chiavegato Filho 

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