Encontro de comitês de ética discute avanços e limites da ciência

Experiências científicas que utilizam seres humanos serão discutidas durante o 4º Encontro dos Comitês de Ética em Pesquisa, que acontece na Faculdade de Odontologia de Bauru.

Experiências científicas que utilizam seres humanos serão discutidas durante o 4º Encontro dos Comitês de Ética em Pesquisa, no dia 7 de agosto, na Faculdade de Odontologia de Bauru

Ela já propiciou incontáveis benefícios à humanidade, como o tratamento e a cura para diversas doenças. Por outro lado, também já serviu para abusos cruéis e mortais, como os experimentos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, em que milhares de prisioneiros foram inoculados com diversas doenças e expostos a congelamento e à ação de venenos ou radiações. O assunto é a pesquisa envolvendo seres humanos.

As atrocidades cometidas pelos nazistas são exemplos extremos, mas ilustram a importância da ética para a pesquisa em seres humanos. No Brasil, hoje, as normas e diretrizes na área são regulamentadas pela Resolução nº 466/12, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), instância máxima de deliberação do Sistema Único de Saúde (SUS).

Justamente com o objetivo de discutir as normas e questões atuais sobre ética em pesquisa envolvendo seres humanos, o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC) – o popular Centrinho, de Bauru – e a Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB), ambos da USP, promovem nesta sexta-feira, dia 7, o 4º Encontro dos Comitês de Ética em Pesquisa. O evento será no Teatro Universitário do campus de Bauru e deve reunir cerca de 300 participantes de todo o País. A organização é dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) do HRAC e da FOB.

“O encontro visa a contribuir para a qualidade e a ética nas pesquisas, ampliar o conhecimento sobre o sistema CEP-Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) e propiciar atualização aos membros dos CEPs para aprimorar a elaboração de análises e pareceres dos projetos”, ressalta Silvia Maria Graziadei, ortodontista e coordenadora do CEP do HRAC.

Sistemas

O sistema CEP-Conep será o tema da conferência de abertura do encontro, ministrada pelo coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, Jorge Alves de Almeida Venâncio. A Conep coordena uma rede que possui, atualmente, 727 CEPs em instituições de todo o Brasil. Tanto a Conep como os CEPs têm composição multidisciplinar, com participação de especialistas e representantes de usuários.

“Mais de 98% das pesquisas são analisadas exclusivamente pelos CEPs, apenas 1,6% chega à Conep. Em 2014, foram analisados 2.083 protocolos de pesquisa na Conep”, segundo Jorge Venâncio. “Estamos com um tempo médio de resposta na Conep de 45 dias. Emitimos 250 pareceres por mês e temos 370 protocolos aguardando resposta.”

O coordenador da Conep salienta que uma perspectiva para o desenvolvimento do sistema CEP-Conep é a proposta de descentralização das análises de protocolos de risco elevado, hoje concentradas na Conep. “Nossa ideia é fazer um processo de certificação de alguns comitês para a análise desses protocolos. Com isso, a Conep ficaria basicamente como uma instância recursal e regulamentadora. A expectativa é implantar o processo de certificação dos CEPs no início do próximo ano.”

Maria Inês Pegoraro (esq.), Jorge Alves de Almeida Venâncio (meio) e Silvia Maria Graziadei (dir.)  Foto: Divulgação / HRAC
Maria Inês Pegoraro (esq.), Jorge Alves de Almeida Venâncio e Silvia Maria Graziadei (dir.)
Foto: Divulgação / HRAC

 

“O conjunto de amostras biológicas humanas coletadas durante a realização de uma pesquisa específica (conforme os critérios técnicos e éticos estabelecidos) denomina-se biorrepositório”, explica Paulo Henrique Condeixa de França, professor da Universidade da Região de Joinville e membro da Conep, que vai falar sobre o assunto no encontro. “Cabe diretamente ao pesquisador responsável pela pesquisa o gerenciamento da coleta, armazenamento, utilização e descarte de amostras armazenadas em biorrepositórios, mas sob responsabilidade da instituição.”

Já os biobancos são o conjunto de amostras biológicas humanas armazenadas para fins de pesquisa, mas desvinculado de um projeto específico, também conforme critérios técnicos e éticos, segundo Paulo França.Tanto a responsabilidade como o gerenciamento dos materiais, nesse caso, cabe às instituições. O pesquisador ressalta que, enquanto nos biobancos o participante da pesquisa pode consentir com a utilização futura de sua amostra em outros estudos, nos biorrepositórios essa utilização deve ser consentida em cada nova pesquisa.

Os biobancos são estratégicos para o desenvolvimento das pesquisas biomédicas.

Segundo Paulo França, no Brasil, até junho de 2015, 23 biobancos haviam sido aprovados pela Conep. “O desenvolvimento de biobancos tem importância fundamental no estudo dos determinantes de saúde e doença das populações e na elaboração de programas de prevenção e políticas de saúde. Os biobancos são estratégicos para o desenvolvimento das pesquisas biomédicas.”

Pós-pesquisa

Consentimento e atenção no pós-pesquisa são outros temas que têm chamado a atenção atualmente da comunidade científica e que também serão discutidos no 4º Encontro dos Comitês de Ética em Pesquisa. “O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) é o documento no qual é explicitado o consentimento do participante, devendo conter todas as informações necessárias, em linguagem clara e objetiva, de fácil entendimento”, resume Maria Cristina Paganini, enfermeira da Universidade Federal do Paraná, membro da Conep e do Centro Internacional de Estudos da Ética da Universidade de Surrey, na Inglaterra, que será uma das palestrantes do evento.

“O TCLE deve explicitar, por exemplo, os procedimentos, os possíveis benefícios, desconfortos e riscos, o acompanhamento e assistência durante e após o encerramento da pesquisa”, pontua. “Um exemplo são as pesquisas clínicas. As normativas brasileiras garantem que, nesses estudos, quando o uso do medicamento apresentar benefício ao participante da pesquisa, o patrocinador deverá fornecer o medicamento de forma gratuita, pelo tempo que for necessário, mesmo após o fim do estudo.”

No encontro, o professor Rafael Arouca Höfke Costa, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, fará uma videoconferência intitulada “Integridade e pesquisa científica”. Para ele, falar de integridade na pesquisa é apontar que os pesquisadores devem responder pela confiabilidade de suas pesquisas. “São eles os responsáveis por assegurar que todos os critérios gerais e específicos de validade científica, originalidade, justiça e ética tenham sido cumpridos durante o desenvolvimento de seus estudos e na posterior divulgação de seus achados. Quando essa responsabilidade é plenamente assumida e adequadamente regulada, não resta espaço para práticas condenáveis como a fabricação ou a falsificação de dados ou de resultados ou, mesmo, para o plágio e o autoplágio”, avalia.

Para a professora Maria Inês Pegoraro Krook, presidente da Comissão de Pesquisa do HRAC e chefe do Departamento de Fonoaudiologia da FOB, todo pesquisador precisa conhecer as diretrizes e normas regulamentadoras na área de ética em pesquisa. “O pesquisador deve analisar os limites e possibilidades no cumprimento das exigências éticas e calcular os riscos que podem ser empecilho para o desenvolvimento do estudo”, finaliza.

O 4º Encontro dos Comitês de Ética em Pesquisa será realizado na sexta-feira, dia 7, a partir das 8 horas, no Teatro Universitário da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP (alameda Doutor Octávio Pinheiro Brisolla, 9-75, Vila Universitária, em Bauru). Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (14) 3235-8437 e no site do Centrinho.

Tiago Rodella, de Bauru para o Jornal da USP

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