Luz elétrica afeta padrão de sono de seringueiros

Menor tempo de sono reduz produção de hormônio cuja supressão é associada à distúrbios metabólicos.

Entre trabalhadores extrativistas da Amazônia, a presença de luz elétrica em casa leva a diminuição do tempo de sono, pois quem possuí iluminação artificial na residência dorme cerca de meia hora mais tarde que os moradores de residências sem eletricidade, embora ambos os grupos acordem para trabalhar no mesmo horário, por volta de 4h30 da manhã. A redução das horas de sono diminui a produção do hormônio melatonina, o que pode trazer prejuízos à saúde, pois sua supressão é associada à ocorrência de distúrbios metabólicos, como o diabetes. A constatação é feita em pesquisa internacional com a participação da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, realizada junto a uma comunidade rural que realiza a extração do látex (borracha) de seringueiras em Xapuri, no Acre. Os resultados trazem evidências de como o sono dos trabalhadores urbanos é afetado pela luz artificial.

O estudo é descrito em artigo publicado na revista Scientific Reports, publicação Open Acess da Nature (Estados Unidos). A professora Cláudia Moreno, da FSP, coordenadora da pesquisa, aponta que a população urbana sofre uma restrição de sono de cerca de duas horas por dia. “No caso da população pesquisada, a restrição é de apenas meia hora, porque ainda que um grupo tenha acesso à eletricidade, no conjunto continua a ser uma população rural, com hábitos matutinos”, afirma. “Os resultados obtidos ajudam a entender o quanto o acesso a todos os equipamentos eletrônicos e a exposição à luz elétrica na população urbana levam ao atraso de fase do sono (atraso do início do sono), que efetivamente leva à restrição de sono, a qual pode comprometer a saúde”.

A pesquisa foi realizada na Reserva Extrativista Chico Mendes, localizada a 150 quilômetros da capital do Acre, Rio Branco. Para preservar a floresta e assegurar a sobrevivência da população, foi montada uma fábrica de preservativos, feitos com o látex tirado das seringueiras, e destinados à distribuição pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em uma cooperativa de seringueiros, com 700 trabalhadores cadastrados, foram aplicados 340 questionários por agentes de saúde e pesquisadores, para verificar suas condições sóciodemográficas e o cronotipo, ou seja, as características do estilo de vida e o padrão do sono.

“Entre os trabalhadores, 74% não possuem eletricidade em casa. Durante a semana, eles costumam dormir em média por volta de 20 horas, cerca de meia hora, em média, antes dos seringueiros que possuem energia elétrica em suas moradias”, afirma Cláudia. “No entanto, todos eles acordam no mesmo horário, às 4h30, pois o látex escorre com mais facilidade das árvores pela manhã, bem cedo. Desse modo, os trabalhadores com eletricidade sofrem restrição de sono, tanto que acordam mais tarde nos finais de semana”.

Relógio biológico

Os pesquisadores também realizaram a coleta de amostras de saliva dos seringueiros para extrair a melatonina, um dos marcadores do relógio biológico. “As amostras eram recolhidas à partir das 16 horas, durante quatro horas, em intervalos de meia hora. O recolhimento era feito na penumbra, para que não houvesse influência da luz artificial no relógio biológico”, conta a professora Debra Skene, da Universidade de Surrey, no Reino Unido, que participou da pesquisa. “Os tubos com as amostras eram congelados e remetidos para Rio Branco. Posteriormente, seguiam para São Paulo e depois para a Universidade de Surrey, para completar a medição dos níveis de melatonina”.

A melatonina é um hormônio produzido pela glândula pineal, responsável pela resposta do organismo diante da exposição à luz. “Quando é noite, os fotorreceptores existentes na retina humana sinalizam por meio dos neurônios a ausência de luz para o cérebro, onde os núcleos supraquiasmáticos e a glândula pineal desencadeiam a produção de melatonina”, diz Cláudia. Por meio de um equipamento colocado no pulso dos seringueiros foi registrada a movimentação dos trabalhadores (ciclos de sono e vigília) e um colar mediu a exposição à luz. De acordo com a professora Debra, “a exposição à luz artificial causa restrição nas horas de sono e suprime a melatonina, o que provoca efeitos deletérios do organismo”. A supressão de melatonina é um fator de risco para distúrbios metabólicos, como o diabetes.

Com auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Cláudia realizou o detalhamento e a discussão dos resultados da pesquisa na Universidade de Estocolmo (Suécia), em colaboração com o professor Arne Lowden. “A pesquisa permite entender a dimensão do problema da interferência da luz artificial na regulação circadiana, ou seja, dos estados de sono, alerta e vigília, na população atual”, aponta Lowden.

Um programa de colaboração entre a Fapesp e a Universidade de Surrey (Reino Unido), permitiu a participação da professora Debra Skene na pesquisa. O estudo também teve a colaboração dos professores Benita Middleton, da Universidade de Surrey, Suleima Vasconcelos, da Universidade Federal do Acre (UFAC), Fernando Louzada, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Elaine Marqueze, da Universidade Católica de Santos (Unisantos) e Frida Fischer, da FSP. Debra salienta que “o estudo traz como principal mensagem que é necessário ter cuidado com a exposição à luz artificial à noite, na medida em que o atraso no sono traz consequências ruins para a saúde”.

Júlio Bernardes / Agência USP de Notícias

Mais informações: email crmoreno@usp.br, com a professora Cláudia Moreno

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