Conflitos entre Psicologia e Direito marcam atuação de profissionais em fórum

Estudo verificou que os interesses do Direito e os da Psicologia nem sempre estão em harmonia dentro de uma instituição jurídica.

Ana Paula Souza/Agência USP de Notícias

A atuação dos psicólogos no âmbito da Psicologia Jurídica é marcada por contradições e conflitos. É o que revela o estudo da psicóloga Pollyana Santos, intitulado A atuação do psicólogo junto às Varas de Família: reflexões a partir de uma experiência. Apresentado no Instituto de Psicologia (IP) da USP, o trabalho foi elaborado a partir da análise da implantação do Serviço de Psicologia em um fórum, cuja identificação foi preservada no texto do estudo por questões éticas de sigilo.

A presença do profissional da psicologia é fundamental no decorrer de trâmites legais, tanto na atuação junto às partes envolvidas quanto em relação ao auxílio ao corpo jurídico, como na elaboração de avaliações psicológicas determinadas pelos juízes. No entanto, a Psicologia Jurídica é uma área relativamente recente no Brasil, de modo que muitos profissionais que trabalham nesse setor não receberam formação específica durante a graduação, e só vão se deparar com as contradições e conflitos entre Psicologia e Direito apenas durante a atuação prática.

“Poucas faculdades públicas oferecem disciplinas que abordem a atuação nesse setor. Durante minha participação em campo, deparei-me com a realidade de que nenhum dos psicólogos que participaram da implantação do Serviço de Psicologia no fórum possuía a Psicologia Jurídica como parte das disciplinas regularmente cursadas na graduação”, conta Pollyana. “Todos os profissionais foram admitidos mediante concurso público e nenhum teve prévia capacitação para iniciar a atuação, sendo que esta foi buscada individualmente por cada profissional a partir da demanda que surgia.”

Tudo tem consequências

O despreparo para a chegada de profissionais de Psicologia gerou impactos na maneira como o projeto foi desenvolvido no fórum, revelando um descaso por parte da instituição, que não compreendia o papel que seria desempenhado pelos profissionais, nem oferecia condições adequadas para o desenvolvimento do Serviço. “Foi inadequada a realidade com que os profissionais foram recebidos pela instituição. Inclusive, o espaço físico destinado à construção do setor foi entendido pelos psicólogos como um improviso.”

Segundo Pollyana, existe uma naturalização da desigualdade presente na instituição judiciária entre os magistrados e demais servidores, o que gera reflexos nas relações de poder. Além disso, a desigualdade vai além da relação de autoridade, a qual pôde ser observada nas condições de trabalho desrespeitosas às quais os profissionais foram submetidos na implantação do Serviço.

Contradições e conflitos

O processo de elaboração do trabalho exigiu um investimento de tempo de dois anos e meio. Nesse período, Pollyana presenciou e participou de atividades desenvolvidas pelo Serviço de Psicologia do fórum, acompanhando parte do processo de implantação do setor. Ao longo desse tempo, a psicóloga pôde observar as dúvidas, as dificuldades, as propostas de atuação e a elaboração de laudos psicológicos que subsidiaram decisões judiciais em Varas de Família.

Nesse processo, verificou que os interesses do Direito e os da Psicologia nem sempre estão em harmonia dentro de uma instituição jurídica. “Identifiquei contradições entre Direito e Psicologia, bem como as diferenças entre finalidades humanas e finalidades jurídicas da atuação. Por isso considero este trabalho uma possibilidade de instigar a reflexão crítica sobre a atuação do psicólogo neste campo, em especial nas Varas de Família.”

“Entendo que a psicologia pode auxiliar as pessoas, as famílias e a sociedade por meio da atuação nas Varas de Família, no entanto, para isto, considero que se deve observar e considerar as contradições entre Psicologia e Direito e buscar constantemente as finalidades humanas da atuação do psicólogo.”

Mais informações: email pollyanamelosantos@gmail.com

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