Cidade Universitária desacelera, mas não para nas férias

Fora do período letivo a Cidade Universitária perde um pouco da sua agitação. Mas o silêncio, interrompido apenas pelo som de pássaros, árvores balançando e automóveis que usam suas ruas para cortar caminho, exprime a falsa impressão de que o campus adormece.

Fora do período letivo, em janeiro, a Cidade Universitária perde um pouco da sua agitação usual. Mas o silêncio, interrompido apenas pelo som de pássaros, árvores balançando, e automóveis que usam suas ruas apenas para cortar caminho, exprime a falsa impressão de que o campus adormece. Laboratórios, bibliotecas e salas de estudo são lugares propícios para amantes da ciência e do saber continuarem a desenvolver suas atividades. Hospital e clínicas continuam a receber pacientes. Enquanto isso, muitos funcionários, que não estão em férias, cuidam da manutenção do espaço e da estrutura. Outras pessoas aproveitam o período para intensificar a prática de exercícios, seja nas quadras e piscinas, seja nas praças e avenidas, menos movimentadas.

Aquecendo os neurônios

Em um campus quase sem alunos, alguns aproveitam o ambiente tranquilo do mês de janeiro para estudar. Sozinho em uma das mesas da Escola Politécnica (Poli), Luiz Felipe Carvalho passa de oito a dez horas por dia rodeado de livros. Formado em Engenharia Elétrica pela Escola, ele prestará o concurso da Receita Federal, e vem para a USP para se concentrar. “Prefiro estudar aqui porque a mesa é ampla e fica aberto até a meia-noite. Em casa acabamos nos distraindo com outras coisas”, comenta.

Segundo ele, é possível notar em certas unidades alguns estudantes que preferem utilizar o espaço disponível na Cidade Universitária no período também para realizar trabalhos, frequentar as bibliotecas e laboratórios, além daqueles que estão envolvidos em projetos de iniciação científica.

Bárbara Carneiro, por exemplo, é aluna do curso de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), e desenvolve o seu projeto no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB). Além da iniciação, ela precisa escrever um relatório do estágio que faz no IEB e está adiantando o trabalho. “Quero ter tempo de fazer um trabalho mais profundo”, explica.

Assim como Bárbara, Bruno Sobrinho, estudante de História, vai usar o tempo das férias para se dedicar ao seu projeto de iniciação científica – uma pesquisa sobre os periódicos servis na Espanha do século XIX. Bruno utiliza a Sala do Pró-aluno da FFLCH, onde analisa o material que traz no pen drive. E essa não é a primeira vez que vem à Universidade nesse período, já que a infraestrutura contribui. “Como passo o dia no campus, sempre almoço e janto no ‘Bandejão’”. Além disso, cita como vantagem o sossego: “aqui você não perde a concentração”.

Diversão no laboratório

Nessa época, muitos professores também estão nos laboratórios da universidade. É um momento propício para dar continuidade às pesquisas, já que as aulas estão paralisadas até o dia 26 de fevereiro.

Henrique Eisi Toma é professor titular do Instituto de Química (IQ), e tem como área de pesquisa a nanotecnologia.  O professor conta que suas férias, na verdade, se passam no laboratório. “Minhas férias não são férias, eu fico trabalhando”.

Apesar disso, esta é sua época favorita. “É meu período mais produtivo. Tenho tempo de me dedicar às pesquisas de meu próprio interesse”. Além disso, as férias também servem para a atualização e programação do ano do professor. “Sem esse período, eu estaria perdido”, comenta.

Uma das atividades preferidas do docente nesta época é “brincar” no laboratório. Mas “essas brincadeiras são sérias”, ressalva. São delas que surgem as ideias.

Entre suas diversões, está uma pesquisa sobre conchas em que estuda sua formação e cores. “É um hobby. Não vai resolver problema algum, mas é interessantíssimo”.

Férias dos laboratórios, porém, apenas quando vai para os congressos. “Aí eu aproveito um pouco”, declara. Mas ele não se arrepende. “Eu poderia estar na praia curtindo a vida, mas quando eu voltasse as ideias teriam secado”, argumenta.

Histórias da manutenção

O auxiliar de limpeza Ciro de Jesus Cardoso trabalha Centro de Práticas Esportivas da USP (Cepeusp). As férias, segundo ele, são a época mais calma do ano. “O dia-a-dia aqui costuma ter muito trabalho, mas nas férias é mais tranquilo”, conta Ciro, que diz adorar trabalhar na Cidade Universitária. “Estamos cercados de uma estrutura tremenda, tendo contato com pessoas instruídas, cercados pela natureza, respirando ar puro… Não tem coisa melhor”.

Corinthiano, Ciro diz que os alunos sempre o chamam para o futebol, mas ele não costuma aceitar o convite: “se eu me machucar, não vou poder trabalhar”. Mas ele pratica aos domingos, no campo perto de sua casa.

O ponto mais interessante de sua ocupação, segundo ele, é a possibilidade de aprender. “Cada dia que você passa aqui é uma lição nova. Estou sempre aprendendo”, completa. Ciro tem pretensão crescer na sua área dentro da Cidade Universitária, mas enfatiza: “o importante é trabalhar”.

Enquanto o Cepeusp cuida da manutenção do espaço, seus frequentadores cuidam de manter a forma física também nas férias. Em período letivo, o aluno da ECA Raphael Cândido Martins vai até lá quatro vezes por semana para treinar futebol. Em janeiro, não frequenta tanto o complexo, mas em fevereiro já volta à rotina semanal, buscando manter o ritmo. Neste ano quer abrir seu leque de esportes. “Pretendo usar a piscina no calor, mas é uma promessa antiga que eu sempre adio”, revela.

Passando tanto tempo no Cepeusp, Martins já presenciou algumas histórias curiosas, e relata uma delas. Em campo, as Faculdades de Direito da USP e do Mackenzie estavam jogando uma partida de futebol. “Jogo pegado, a maior rivalidade”, conta. Em uma falta, um dos jogadores uspianos caiu no chão e quebrou a clavícula.

Ao mesmo tempo, na pista de corrida acontecia uma competição e por isso, uma ambulância estava de prontidão. Os futebolistas foram pedir ajuda médica, mas para espanto, geral ela foi negada. “Aí você imagina 30 advogados nessa situação: ‘eu vou te processar, você está negando socorro’ ”, relembra. Ao final, para tranquilidade de todos, um enfermeiro prestou o atendimento.

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Em meio a uma faxina caprichada da equipe de limpeza, com direito a rodos, baldes e esfregões, o funcionário José Milton Soares, técnico do Laboratório de Multimídia do Departamento de Artes Plásticas (CAP) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) faz a manutenção dos equipamentos, já que não está de férias. Enquanto isso, conta um divertido caso para os repórteres. Contratado em 2010, José teve que passar por um desafio logo que chegou. “Algum aluno, para me testar, ou tentar me ‘sacanear’, inverteu a o cabo de entrada com a saída de áudio, deixando o computador mudo”, conta. “Mas ele se deu mal, porque eu matei o problema logo de cara”, comemora sorridente o técnico.

Entretanto, mesmo com a pronta solução de Milton, o aluno insistia na brincadeira e fazia a inversão em diversas máquinas, sempre que o técnico saía para um café ou ir ao banheiro, a poucos passos de seu posto. A sátira só teve fim quando câmeras de segurança foram instaladas e o pseudo-comediante cessou sua peça.

Reportagem: Diego Rodrigues, Larissa Teixeira, Lucas Rodrigues, Marco Aurélio Martins, Paulo Fávari. Edição: Luiza Caires.

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