6 – Vergonha das mãos

O caderno Filho da rua, encartado pelo diário Zero Hora, do Rio Grande do Sul, em sua edição do domingo 17 de junho de 2012, traz a história de um jovem viciado em drogas, acompanhada e narrada pela repórter Letícia Duarte.

A analogia com a gestação e o nascimento (“adoro falar sobre essa matéria! Sinto-me como uma mãe orgulhosa falando do seu filho!”, ela escreveu no e-mail em que aceitou a solicitação de entrevista enviada por este repórter) não é utilizada só por Letícia.

“Tenho a sensação de que acompanhei o parto do Filho da rua”, diz a jornalista Rosane de Oliveira, editora executiva de Política de Zero Hora e titular da principal coluna da área na imprensa gaúcha.

Durante pouco mais de dois anos e meio, Letícia foi o “braço direito” da colunista e, mesmo incluindo endereços de gabinetes ilustres em sua rotina, jamais deixou de percorrer os caminhos incertos do menino de rua. Rosane revela que viu muitas vezes sua editora assistente chegar arrasada à redação depois dos encontros com Felipe e sua mãe: “Ela se envolveu muito com o guri”, confirma.

Para a colunista, é provável que outro repórter “mais fraco” tivesse desistido desse trabalho, tantos foram os obstáculos e as dificuldades no caminho – não Letícia. “Só tenho coisas boas a dizer dela. Admiro muito a seriedade, a competência, a obstinação em conseguir a informação e acima de tudo a sensibilidade”, testemunha. “Nós costumamos ser mais áridos nessa profissão, mas ela consegue manter a virtude da sensibilidade em tudo o que faz.” No início de março, a repórter retornou à editoria de Geral.

Letícia vê os prêmios pelo Filho da rua como coroação da crença de que há projetos de convicção pessoal que devem ser alimentados mesmo à custa de uma dedicação que supera em muito as longas horas normais do expediente. Ideias como essa ela vem defendendo em conversas com estudantes de Jornalismo – como no encontro com alunos da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, no dia 8 de março, e em fóruns como o 1º Seminário Regional da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), no dia seguinte, também em São Paulo, onde foi uma das principais palestrantes.

“Numa redação a gente nunca vai ter as condições ideais, porque sempre temos milhões de pautas disputando o que merece atenção. Por isso vale a pena manter essa obsessão e essa dedicação de fazer as coisas em que se acredita”, diz. Mesmo entre colegas, ela ouviu muitas expressões de desdém por se dedicar a um assunto “tão batido”. “Eu me sinto feliz e orgulhosa porque essa história teve eco e repercussão. Cumpriu um papel importante, que eu acho que é desacomodar.”

Felipe ainda não pode ler sua história impressa. Suas passagens acidentadas pela escola jamais foram capazes de alfabetizá-lo. No entanto, ver na capa do caderno as unhas sujas de sua mão castigada provocou deboche de vizinhos e vergonha no guri. Tempos depois, num dos reencontros com Letícia e Botega, fez questão de mostrar as mãos e unhas limpas, e pediu que o fotógrafo as registrasse.

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