Presídio paraibano ilustra realidade do cárcere no Brasil

As estatísticas registraram 28 mortes em 18 meses, demostrando uma situação degradante do sistema prisional brasileira.

A Penitenciária Desembargador Flósculo da Nóbrega, localizada em João Pessoa, na Paraíba, chegou a registrar, segundo dados do Ministério Público Federal de 2011, 28 mortes em 18 meses. As estatísticas do Presídio do Roger, como é popularmente conhecido o local, ilustram as degradantes condições do sistema prisional brasileiro.

Lá, segundo relatório do Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba (CEDH) de novembro de 2014, 1.308 detentos lotam as celas planejadas para receber apenas 540. Apesar de, em teoria, o presídio só receber presos provisórios, eles dividem espaço na prática com 245 condenados. A lotação é tanta que é fisicamente impossível que todos os ocupantes de uma cela consigam se sentar simultaneamente. Há apenas 16 agentes penitenciários por plantão, uma gritante desproporção. As minúsculas janelas dos pavilhões, que datam dos anos 40, são frequentemente lacradas com tijolos como forma de punição, impedindo a circulação do ar e tornando o ambiente insuportável.

Muitos detentos dormem nos banheiros, outros nas prateleiras da dispensa. Na cozinha, panelas são habitadas por moscas e outros insetos, e não há sequer extintores de incêndio. O banho de sol ocorre apenas duas vezes por semana, durante meia hora. Graves moléstias de pele, de aparência preocupante, raramente são tratadas. Mofo e fungos estão por todos os lados.

As pesquisadoras Gabrielle Kölling, Navaroni Soares e Rachele Balbinot, em artigo publicado na Revista de Direito Sanitário do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário (Napdisa) da USP, analisaram e comentaram a situação do presídio paraibano, considerado um dos piores do Brasil atualmente e representativo da realidade das nossas prisões. Superlotação, graves deficiências no saneamento básico, tráfico de drogas, violência, doenças e a degradação do próprio edifício são apenas um resumo das violações aos direitos humanos a que são submetidos constantemente os presos brasileiros. E não há hoje políticas públicas efetivas, vontade política ou apoio da população para melhorar a situação.

Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

O problema começa na hora de diferenciar a privação da liberdade, que é o objetivo do confinamento de um criminoso, da violação de outros direitos básicos. Gabrielle explica: “Historicamente a punição tem caráter retributivo, como na lei de talião [olho por olho, dente por dente]. Nós migramos para a ressocialização, mas o senso comum ainda é antigo”. A punição baseada na equivalência entre o ato cometido e pena ainda é parte da formação ideológica do brasileiro, embora as altíssimas taxas de reincidência do país (47%, em 2013) evidenciem a ineficiência do nosso sistema prisional.

A simples força da lei não melhora a situação. Sua solução passa pela vontade política dos líderes eleitos e pela fiscalização da aplicação de medidas pela população, que, porém, não estão interessados em colocar a questão prisional entre suas prioridades. “É uma questão de conscientização, ninguém vai se eleger com essa pauta. A construção de uma Unidade Básica de Saúde em Pinheiros [bairro nobre de São Paulo], por exemplo, é muito mais próxima e atraente tanto para o cidadão quanto para o político”, afirma a pesquisadora.

Além disso, para Gabrielle, o senso comum do “bandido bom é bandido morto”, refletido no apoio de consideráveis parcelas da população à redução da maioridade penal e à pena de morte, garante que nas ocasiões em que a questão prisional entra no debate político, ela o faça através da promessa da construção de mais presídios, e não da discussão dos atuais. O Brasil, segundo pesquisa relativa ao primeiro semestre de 2014, possui a quarta maior população carcerária do mundo tanto em termos absolutos (número de presos) quanto relativos (percentual da população encarcerada). Nossos 607 mil presos não evitam, porém, indicadores criminais preocupantes: o Brasil é líder mundial em número absoluto de homicídios, e 11º lugar em termos relativos (número de homicídios a cada 100 mil habitantes).

“No Brasil, nós isolamos tudo o que incomoda. Presídios, manicômios e sanatórios são feitos longe dos centros urbanos”, diz a pesquisadora. À distância soma-se a impossibilidade de acesso a atividade profissional. Com exceção das penitenciárias onde a colaboração com a manutenção do próprio local é estimulada entre os presos, o papel essencial do trabalho na ressocialização do encarcerado é ignorado.

Plano

Foto: Reprodução / Cartilha do Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário - Ministério da Saúde
Foto: Reprodução / Cartilha do Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário – Ministério da Saúde

Gabrielle participou, através de projeto de pesquisa do Programa de Direito Sanitário (Prodisa) da Fiocruz Brasília, do desenvolvimento do Plano Nacional de Saúde no Sistema Prisional (PNSSP), que é a primeira política pública nacional voltada exclusivamente a atenuar, por meio do acesso à saúde, as péssimas condições de confinamento em que se encontram os presos. Do ponto de vista legal, o fato de que um encarcerado esteja privado de sua liberdade não justifica o desrespeito aos seus direitos fundamentais em todos os outros aspectos. Na prática, a realidade é outra: “Há uma distância muito grande entre a lei e a sua aplicação efetiva, ninguém enxerga o apenado como humano”, diz.

“Prestar assistência integral de boa qualidade às necessidades de saúde da população penitenciária”, “contribuir para o controle e a redução dos agravos mais frequentes que acometem a acometem” e “definir e implementar ações e serviços consoantes com os princípios e diretrizes do SUS” são algumas das diretrizes e metas do Plano, definidas em documento publicado em 2004.

A tuberculose, transmitida pelo ar através de espirros e tosse, o vírus do HIV, disseminado por meio de relações sexuais e outras formas de contato direto com determinados fluídos corporais, dermatoses, diarreias e vários tipos de hepatite estão entre as doenças mais disseminadas no interior dos presídios brasileiros.

Na prática, há poucos resultados. Além das barreiras ideológicas, a aplicação efetiva das medidas previstas no PNSSP passa pela colaboração com as secretarias de segurança e saúde municipais e estaduais, que, em geral, não são colaborativas. Durante a redação do plano, verificou-se que mesmo os apelos de agentes de segurança e os servidores públicos envolvidos na administração dos presídios, que sofrem dos mesmos problemas estruturais que os presos e demandam soluções, não são atendidos.

Bruno Vaiano / Pró-Reitoria de Pesquisa da USP

Scroll to top