Estudo sobre melatonina abre caminho para tratar derrame e outros males

A pesquisadora Regina Markus, do IB, levantou a hipótese, agora comprovada, de que quando você se machuca ou tem alguma inflamação, a glândula pineal para de produzir melatonina para permitir que os neutrófilos entrem nos tecidos e combatam bactérias.

Buscando entender os fatores do envelhecimento, a pesquisadora Regina Markus, atualmente no Instituto de Biociências (IB) da USP, começou a pesquisar, entre os anos 80 e 90, ratos muito velhos (de até 24 meses). Estudando a contração muscular dos ratos, Regina e sua orientada à época se depararam com resultados muito fora do padrão esperado nos animais que tinham inflamação.

“Eu trabalhava muito bem e ela também dizia que trabalhava muito bem” relembra. “Aí nós chegamos à conclusão de que as duas trabalhavam muito bem e que aqueles erros não podiam ser erros, aquilo devia ser uma dispersão que estava acontecendo mesmo”. Iniciava-se, assim, a pesquisa que levaria à descoberta de que o organismo produz melatonina em locais com inflamação – o que  pode abrir caminho para o tratamento de derrames, ferimentos em pacientes com diabetes, aids, e câncer, entre outras aplicações.

Melatonina: outras funções

A melatonina é um hormônio produzido pela glândula pineal, e seu principal papel nos mamíferos é regular o sono, tendo seus níveis aumentados em ambientes escuros. O grupo de Regina mostrou que uma outra função desse hormônio é impedir que certas células de defesa, os neutrófilos, entrem nos tecidos. “Quando os neutrófilos atravessam em direção ao tecido, produzem uma montanha de óxido nítrico e radicais livres, matam tudo que está em volta e se matam, na expectativa de estarem matando coisas que estão erradas”, explica Markus, “são verdadeiros camicazes”. Em suma, a melatonina evita que células camicazes agridam células saudáveis, levando a doenças.

Como o objeto de estudo eram ratos – animais de hábito noturno –  surgiu um grande dilema. No horário em que os animais estavam ativos, isto é, durante a noite, a melatonina estaria impedindo uma passagem eficiente destas células de defesa do sangue para o tecido.

Regina, levantou a hipótese, agora comprovada, de que quando alguém se machuca ou tem alguma inflamação, a glândula pineal para de produzir melatonina para permitir que os neutrófilos entrem nos tecidos e combatam bactérias.

Um outro ponto a destacar neste quebra-cabeças é que células de defesa ativadas (macrófagos e linfócitos) também podiam produzir melatonina em cultura. Surge então uma questão muito importante: haveria alguma relação entre a parada de produção de melatonina pela pineal e a produção desta nos locais das feridas?

Para responder à pergunta, foram realizados experimentos com diferentes técnicas e que deram origem a teses de mestrado e doutorado, mostrando que há um sistema de sinalização que coordena esta alternância da fonte de produção de melatonina.

Parece bobagem, mas entre a elaboração da teoria e a comprovação da descoberta em humanos lá se foram 11 anos. A pesquisa já andava bem em ratos., mas estava difícil de encontrar um animal de hábito diurno, ou um modo de aplicar em humanos. Foi quando uma conhecida de Regina deu a luz a uma filha e teve mastite, uma inflamação aguda na glândula mamária. “[Depois de uma visita,] eu desci o elevador e pensei ‘Esse é o meu modelo em humanos!’”, recorda a pesquisadora.

Em 2006, a equipe publicou um artigo com os resultados das análises feitas em amostras de 0,2 a 0,3 ml de leite: a melatonina é produzida de forma tônica, ou seja, no local da inflamação.

Aplicações

De lá pra cá, o grupo do IB já foi citado em diversos estudos pelo mundo, enquanto tenta decifrar o mecanismo molecular. “A ideia principal nos próximos anos é entender muito bem qual é o processo, para depois usá-lo. Inclusive, esse entender o processo não é só dado aqui. Eu vou querer dar uma parada no semestre que vem, juntar a literatura e ver onde eu posso encaixar os dados nesse processo”, conclui.

A descoberta abriu caminho para o tratamento de derrames, ferimentos em pacientes com diabetes e aids, câncer, entre outros. “Eu estou focando doenças neuro-degenerativas. Porque, por exemplo, no Alzheimer é zero [a produção de] de melatonina”, explica Markus.

Este é um dos pontos onde os estudos do grupo estão avançando. “Nós estamos olhando agora a proteína beta amiloide, do Alzheimer, mostrando que as células do cérebro também são capazes de produzir [melatonina]. É o que nós estamos escrevendo agora”, comenta.

Mais informações: site www.ib.usp.br/cronofarmaco 

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