Macacos-prego da caatinga utilizam varetas como ferramentas

Animais usam pedras para quebrar frutos, cavar e as fêmeas as utilizam para avisar os machos do grupo que elas estão no cio.

Por Victor Francisco Ferreira / Agência USP de Notícias

O uso de ferramentas por macacos-prego da espécie Sapajus libidinosus varia de acordo com o ambiente em que os grupos são encontrados. Um estudo do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia (IP) verificou que no Parque Nacional da Serra da Capivara, no sul do Piauí, os grupos utilizam-se de pedras e varetas como ferramentas para conseguir alimento. As varetas são usadas para tirar lagartos ou insetos de tocas para a alimentação. Já as pedras servem para quebrar frutos ou até para cavar o solo em busca de raízes e tubérculos ou tocas de aranhas buraqueiras. Segundo o biólogo Tiago Falótico, autor do trabalho, esta é a única população de macacos do continente americano a utilizar frequentemente os utensílios para obter alimentação.

No Parque Ecológico do Tietê, em São Paulo, por exemplo, a população de macacos-prego utiliza-se frequentemente de pedras apenas para quebrar pequenos frutos.

O pesquisador conta que percebeu um uso muito peculiar das pedras como ferramentas pelas fêmeas dos grupos observados. “As fêmeas atiram pedras nos machos durante o chamado display sexual, quando mostram que estão no cio. Quando vi pela primeira vez achei que era um comportamento isolado, mas depois pude observar que outras fêmeas também faziam a mesma coisa quando estão no período fértil”. Segundo ele, diferentemente das fêmeas de outras espécies de primatas, as do macaco-prego não têm nenhuma modificação física que indique a disposição sexual, apenas a alteração comportamental. “Isso pode durar várias horas, até que o macho comece a responder”, afirma.

Durante dois anos, entre agosto de 2007 e julho de 2009, o pesquisador observou dois grupos de macacos. O menor contava com, em média, 32 animais e o outro com cerca de 45, número considerado maior do que o normal. Havia ainda outros grupos na Serra da Capivara que acabavam se encontrando. “Esses grupos talvez tenham se formado da divisão de um outro grupo que ficou muito grande. Em alguns momentos, inclusive, dois grupos se juntavam e formavam um grupo maior. Depois separavam-se novamente”, relata Falótico.

Grupos de macacos-prego que vivem em regiões de mata atlântica, como o Parque Ecológico do Tietê, em São Paulo, não costumam usar muitas ferramentas. “Uma das hipóteses para isso é a maior terrestrialidade, o tempo maior que os macacos da Serra da Capivara, que tem uma vegetação de caatinga, ficam na terra e não nas árvores. Por ficarem mais tempo no solo eles têm maior oportunidade para o uso de ferramentas. Na mata atlântica eles passam maior parte do tempo no topo das árvores”, conta Falótico. Outra suposição normalmente feita por pesquisadores é a de que a falta de alimento na caatinga pode estimular o uso de mais ferramentas, hipótese rechaçada pelo autor do estudo. “Na mata atlântica há épocas de maior escassez de alimentos que na caatinga. É mais provável que o principal fator seja a terrestrialidade mesmo”, afirma.

Além das observações feitas em campo, também foram gravados vídeos para observações posteriores. “Muitas vezes não conseguimos perceber tudo durante a observação. Por isso gravei alguns vídeos, que possibilitaram observar com mais detalhe o comportamento dos animais”, explica o pesquisador.

Hierarquia e gênero

A hierarquia do grupo não afeta a utilização de ferramentas. “Qualquer macaco-prego pode caçar e se alimentar, assim como usar ferramentas. Também são bem tolerantes com os filhotes. Muitas vezes eles até roubam comida dos adultos”, conta Falótico. Porém, outra observação é de que o gênero pode influenciar alguns comportamentos. “As fêmeas não utilizavam as varetas, apenas os machos. Não conseguimos identificar o porquê, precisaremos de mais observações”, conta. O biólogo ainda diz que elas possuem a mesma condição física para a utilização das varetas que os machos e, portanto, a razão para a não utilização não é fácil de identificar.

Os primeiros trabalhos que observaram a utilização de ferramentas por primatas selvagens em todo o mundo datam da década de 1960, quando a britânica Jane Goodall estudou comportamento de primatas africanos. A utilização de ferramentas por macacos-prego fora de cativeiro foi observada pela primeira vez entre 1999 e 2000, com estudos do professor Eduardo Benedicto Ottoni, professor do Laboratório de Etologia Cognitiva (LEC) do IP e orientador da tese de Falótico.

A pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Mais informações: email tfalotico@gmail.com 

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