Fígado é capaz de se recuperar após desnutrição proteica, revela estudo da FMVZ

Danos causados pela desnutrição foram revertidos em animais que receberam 30 dias de dieta com proteína.

Valéria Dias / Agência USP de Notícias

Para observar os efeitos da desnutrição seguida da renutrição, na morfologia do fígado de camundongos, cientistas da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP submeteram os animais a uma desnutrição proteica por 30 dias. Ao receberem uma dieta com níveis normais de proteína pelo mesmo período, foi constatada a recuperação no tamanho de seus fígados e das células hepáticas. O órgão e suas células voltaram a ter o volume normal de um fígado.

“O conhecimento gerado por este trabalho é fundamental para o diagnóstico e tratamento das hepatopatias [doenças hepáticas] de origem nutricional”, destaca o estereologista Antonio Augusto Coppi, responsável pelo Laboratório de Estereologia Estocástica e Anatomia Química (LSSCA) do Departamento de Cirurgia da FMVZ. “A pesquisa que desenvolvemos oferece resultados mais acurados sobre o que ocorre com o fígado nesta situação”, completa.

A desnutrição é um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 20 milhões de crianças nascem com peso corporal abaixo do normal. Outras 150 milhões, com menos de cinco anos, têm peso corporal abaixo da média para a idade. “A gravidade destes números reside no fato de que o processo metabólico do corpo é proteína-dependente. Para exercer suas funções corretamente, o fígado depende de proteína. A deficiência proteica interfere negativamente no metabolismo de enzimas e hormônios fundamentais ao organismo”, destaca o professor.

Os resultados estão descritos na tese de doutorado do médico veterinário e biólogo Sílvio Pires Gomes, apresentada em 2011 na FMVZ sob a orientação do professor Coppi. O trabalho foi feito em colaboração com os professores Francisco Javier Hernandez Blazquez, da FMVZ, e Primavera Borelli, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP (que elaborou o modelo de desnutrição e renutrição proteica), e com a Universidade de Liverpool, na Inglaterra.

Em seu mestrado, Gomes havia estudado os efeitos da desnutrição proteica nos neurônios que inervam o gânglio celíaco (parte do sistema nervoso simpático que inerva a parede do intestino delgado). Detalhes sobre a pesquisa podem ser acessados neste link. Já no doutorado, o foco foi observar se a renutrição proteica poderia reverter os efeitos da diminuição de proteína na dieta.

Os testes foram realizados em 20 camundongos Swiss, machos, com idade de 90 dias. Na primeira parte do experimento, os animais foram divididos em 2 grupos, com 10 animais cada. Durante 30 dias, o primeiro grupo (controle) recebeu dieta normal com 12% de caseína (proteína). A dieta do segundo grupo (desnutrido) era de 2% de caseína.

Passadas as 4 semanas, metade dos animais de cada grupo foi eutanasiada, restando 5 em cada. Nesta segunda etapa, que durou 30 dias, os animais do primeiro grupo (controle) passaram a ser denominados ‘controle renutridos’ e continuaram recebendo a dieta normal a base de 12% de caseína. Já o outro grupo (desnutrido) começou a receber dieta normal (12% de caseína) e passou a ser chamado de ‘renutrido’.

Resultados

O grupo desnutrido apresentou uma atrofia de 50% no volume total do fígado. Já no grupo renutrido esta atrofia foi revertida após os 30 dias recebendo dieta com níveis normais de proteína.

Quanto ao número de hepatócitos (as principais células do fígado, responsáveis por sintetizar as proteínas), no grupo normal era de 11 milhões. Já no grupo desnutrido, houve um aumento de 45% e no grupo renutrido este aumento foi de 163%. “Estes aumentos representam uma tentativa do órgão de se regenerar”, explica Coppi.

O volume de cada hepatócito nos animais desnutridos diminui em 44% (atrofia). Após 30 dias de renutrição, esta atrofia foi revertida.

Estereologia

De acordo com o pesquisador, estes protocolos de desnutrição e renutrição proteica foram analisados utilizando-se a Estereologia e Bioimagem, e isso é algo inédito na literatura. A estereologia é uma ciência que leva em conta a altura, a largura e a profundidade dos objetos: as análises consideram, além das três dimensões, a quarta dimensão: o tempo.

“Na literatura, os modelos de desnutrição e renutrição utilizam a morfometria 2D (altura e largura) como método de contagem de células. Os métodos morfométricos neste caso conseguem detectar a redução do tamanho do fígado, mas não tem acurácia para detectar a alteração no número total das células hepáticas, pois a contagem é feita por área. “No LSSCA, utilizamos a Estereologia Estocástica assistida por Bioimagem para realizar a contagem acurada do número total (e não por área) de hepatócitos do fígado”, explica o professor. “As análises morfométricas reportam que não há alteração no número de células hepáticas após a desnutrição. Paradoxalmente, no nosso estudo comprovamos que de fato existem alterações no número total destas células”, destaca Coppi.

Segundo o pesquisador, as mais conceituadas revistas científicas internacionais da área de microscopia quantitativa estão adotando políticas editoriais rígidas e somente aceitando trabalhos que utilizam análises em 3D, como a Estereologia o faz.

Mais informações: (11) 3091-1214, email guto@usp.br, Skype: antonio.augusto.stereo, Twitter: AACoppi, com o professor Antonio Augusto Coppi. Site http://www2.fmvz.usp.br/lssca/  

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