Na Poli, engenheiras debatem posição da mulher na profissão

Evento debateu a posição das mulheres num mercado tradicionalmente masculino e avaliou as possibilidades para as atuais estudantes.

Thiago Minami, especial para o USP Online

Quando chegou ao dormitório da faculdade, a então estudante de engenharia americana Shelley Lavander assustou-se com a localização do quarto para meninas. Era no canto mais escondido, perto dos escritórios dos professores, onde poderia abrigar melhor as secretárias deles. Todas as outras vagas eram reservadas para homens.

Shelley, que hoje é vice-presidente de dois setores da fabricante de aviões Boeing Military Aircraft, diz que viu ali uma bela chance. “Percebi que, sendo uma das únicas mulheres, teria mais facilidade para ser ouvida pelos colegas.”

Exemplos como esse foram dados no Fórum Internacional: Mulheres em Ciências e Engenharia, organizado pelo Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica (Poli) da USP em parceria com a Boeing. Na terça-feira (5), na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, o evento debateu a posição das mulheres num mercado tradicionalmente masculino e avaliou as possibilidades para as atuais estudantes.

As convidadas ocupam cargos de destaque em grandes empresas e contam com décadas de carreira. No Brasil, a engenheira Rachel Penido era a única mulher de sua turma na faculdade. Quando ingressou na Embraer, empresa em que atua como gerente de sistemas, ouviu uma advertência da pessoa que a contratou: “você não vai largar o emprego logo para ficar grávida, né?”.  Ela diz ter enfrentado resistência por parte da equipe técnica, que não aceitava ouvir ordens de uma mulher.

“Precisei provar pela competência que mereceria estar ali, naquele posto”, diz.

Hoje em dia, as participantes dizem não sofrer mais resistência – ainda que a maior parte dos colegas de trabalho continuem sendo homens, sobretudo no Brasil. Mas isso também está mudando. Mônica Ferreira do Amaral Porto, professora titular e vice-chefe do Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Poli, diz que o número de meninas está aumentando. Elas já são 18% na graduação das engenharias da USP e 28% da pós. “No meu tempo, éramos apenas dez em cada cem alunos. E havia uma única professora”, conta. Atualmente 10% do corpo docente da Poli é de mulheres.

As participantes apontaram vantagens em quebrar o clube do Bolinha nas equipes.

“O engenheiro se pergunta: ‘este carro é veloz?’ Já a engenheira se questionaria: ‘esse carro é confiável e seguro?’ ”, aponta Shelley.

Para Mônica, elas têm mais facilidade para lidar com a multidisciplinaridade, o que é importante em áreas como a hidráulica.

Carreira e vida pessoal

Filhos e casamento não foram obstáculos para as convidadas ascenderem na empresa. Érica Kitahara, diretora da área de negócios em bioprocessos da GE na América Latina, diz que pediu demissão do antigo emprego uma semana antes de casar. “Meu chefe de então me perguntou se eu iria desistir também do meu noivo. Mas não havia relação entre uma coisa e outra”, conta. Ela descobriu mais tarde que a maternidade não era um problema para a carreira. “Quando entrei em contato com funcionários do exterior, descobri que mesmo os homens também tiravam licença de um ano para cuidar de seus bebês”, diz.

Elas contam que, para perseverar na carreira, é preciso amar o que faz. “Não se trata mais de buscar o equilíbrio entre família e trabalho e, sim, de misturá-los”, afirma Shelley. Faz parte também acreditar nos valores da empresa e ter boas motivações pessoais para exercer a profissão.

“Eu me insipirei no meu pai, que queria ser piloto de avião, e no patrotismo que sinto pelo meu país, os Estados Unidos. Gosto de fabricar aviões para os heróis que nos protegem”, diz Debbie Rub, que também é vice-presidente de duas divisões da Boeing Military Aircraft.

Nova geração

Todas são unânimes em apontar a amplitude de vagas para as estudantes de tecnologia. Principalmente no Brasil, que tem alta demanda por profissionais em áreas como engenharia civil, ambiental e de energia. Para elas, a capacitação técnica é importante, mas também é fundamental saber trabalhar em equipe e ser perseverante.

Saber olhar para outras áreas é outro ponto fundamental. Para executar bem um trabalho, o engenheiro pode, por exemplo, ter de entender um pouco sobre biologia, direito ou finanças. “Só 10% disso se aprende na faculdade. O resto vem da carreira profissional”, diz Mônica.

Já experientes, as convidadas pedem calma à nova geração que ingressa no mercado de trabalho. Dizem que não é preciso ter tanta pressa para ascender na carreira – “a recompensa vem com o tempo”, afirma Rachel. “E é preciso entender que, ao se fazer uma escolha, muita vezes é preciso abrir mão de algo. Vejo que os jovens têm dificuldade em lidar com isso”, completa Mônica. 

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