Professor do CMU trabalha no resgate e catalogação de obras de música de câmara brasileira

O projeto faz parte de uma meta mais ampla: dar mais visibilidade à música de câmara brasileira.

Bruna Romão/Laboratório Agência de Comunicação da ECA

O que acontece com as partituras e composições de importantes músicos brasileiros após sua morte? Muitas delas acabam fechadas em caixas e guardadas em salas mais ou menos organizadas, sob os cuidados de algum familiar ou, ocasionalmente, de alguma instituição. O acesso a essas obras, no entanto, é restrito e apenas uma pequena parcela delas é catalogada e editada. Isso representa uma perda para a música brasileira e para o ensino na área, uma vez que o contato com esses repertórios é dificultado.

A superação desse problema é o principal objetivo pelo qual trabalha o professor Alexandre Fontainha Ficarelli, do Departamento de Música (CMU) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Atualmente, ele desenvolve um projeto de pesquisa que busca resgatar e, inicialmente, catalogar obras de dois grandes compositores brasileiros: José de Lima Siqueira e Francisco Mignone. Futuramente, a intenção do professor é editar esses trabalhos em uma publicação que possa ser disponibilizada a músicos e estudantes.

O projeto faz parte de uma meta mais ampla de Ficarelli, que é a de dar mais visibilidade à música de câmara brasileira. “Se faz pouco do repertório brasileiro. E uma das razões é porque não há quase nada editado”, explica. Anteriormente a essa pesquisa, o professor também desenvolveu um catálogo temático de compositores brasileiros, com obras que incluem oboé.

O projeto de pesquisa de Ficarelli concentra-se especialmente nas composições de Mignone e Siqueira para instrumentos de sopro chamados de madeiras (flauta, oboé, clarineta e fagote).  A ideia de se focar nesses dois músicos surgiu de duas situações distintas. Há alguns anos, em uma pesquisa de repertório para madeiras, o professor entrou em contato, por intermédio da Academia Brasileira da Música, com o espólio de José Siqueira, atualmente sob os cuidados do maestro Leonardo Bruno. Já o contato com o acervo de Mignone se deu em função da iniciativa de realizar um concerto em homenagem aos 20 anos do falecimento do compositor, em 2005.

“O que me interessou foi que apenas uma parcela mínima é editada”, conta o pesquisador. Assim, em 2008 ele deu início ao projeto de pesquisa que, a partir do resgate e catalogação de obras dos dois artistas, tem por objetivo divulgar e tornar mais fácil o acesso de intérpretes e estudiosos às peças.  Segundo Ficarelli, alguns manuscritos contêm rasuras e há obras em duplicidade, o que também é objeto de estudo da pesquisa,  tornando possível a indicação e aconselhamento quanto ao uso do material para um melhor entendimento e interpretação dos textos.

O projeto avança aos poucos.  Já se tem o levantamento dos duos, trios, quartetos e quintetos de Siqueira e até sextetos de Mignone. Atualmente, o professor tem focado o trabalho especialmente nas obras de Mignone, tema da tese de mestrado que começou a desenvolver este ano, sob a orientação do professor Luiz Ricardo Basso Ballestero.

“Essa memória precisa ser resgatada antes que se esvaia. O papel envelhece”, afirma Ficarelli, que defende a criação de um processo contínuo de resgate e catalogação, pois a todo momento podem surgir obras desconhecidas a serem estudadas e acrescentadas aos catálogos, que nunca poderão ser completamente concluídos.

De acordo com Alexandre, embora existam iniciativas para a recuperação de acervos de alguns músicos, não há nenhum projeto de envergadura nacional para tal. Ele explica que falta tanto apoio do Estado para ações voltadas a esse resgate, quanto recursos financeiros para tal. Outra dificuldade apontada pelo professor é na etapa final do trabalho: a edição. Segundo ele, são dois os principais problemas relacionados à publicação dos catálogos: a questão dos direitos autorais e o baixo lucro gerado pela venda de exemplares.

Ainda assim, Alexandre Ficarelli aposta na edição e publicação dos repertórios e aponta uma possível solução para as casas publicadoras: a modernização da linguagem de divulgação da música, a partir da adequação tecnológica. “Precisa-se conseguir editar tudo isso para que tomemos conhecimento desse imenso repertório de música de câmara brasileira.” 

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