Alice: entre a FEA e a construção de um sonho

Uma faxineira da FEA conquistou a simpatia de alunos que agora a ajudam a realizar seu sonho de ter casa própria.

Nos corredores da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, limpando as salas, recolhendo latinhas ou interagindo – e dando risadas – com a comunidade acadêmica. É nesse ambiente que se encontra dona Alice, uma faxineira que presta serviços para a USP, com 61 anos de vida e “oito de tamanho”, segundo ela mesma.

Interromper essa senhora cheia de energia no meio de seu trabalho parece um crime. Mora no Jaguaré e vai para Cidade Universitária a pé, de segunda a sábado, numa caminhada de uma hora e meia de duração. “As pernas estão só o bagaço, mas eu ando”, conta, colocando na última frase uma dose carregada de determinação. Descreve-se como uma mulher decidida, muito forte e que adora falar. Enfim, “uma aquariana doida de 14 de fevereiro”. E se isso tudo parece descrição de horóscopo, sua história vem  para confirmar.

O nome registrado é Elicina Próspero dos Santos, mas a fama – que não é pouca – recai sobre o apelido de Alice. “Dizem que nasci na Bahia… me criei no Piauí”, conta, sem compromisso.

História de encher um livro

“Nada nunca foi conquistado com lágrimas”, diz a lagarta azul à Alice de Lewis Carrol. Se a obra da literatura parece distante da realidade da Alice da FEA, a moral da história parece ter sido aprendida na prática. Forçada a se casar quando tinha apenas 13 anos, o marido bebia, a agredia e a deixava passar fome. “Minha vida foi muito sofrimento, muita luta” conta, com uma voz firme, de quem não saiu derrotada, e nem pretende parar de lutar. “Até fazer minha casa, só se Deus me levar”.

A casa própria é seu sonho, mencionado várias vezes durante a conversa. “Pelo que já passei não era para estar aqui trabalhando, sonhando com casa. Mas eu sou forte”, orgulha-se, acrescentando que sua história poderia encher um livro. Por isso, sugere, é melhor contar só a história de sua casa.

Tijolo, piso, parede

Tudo começou quando Gustavo Mercadante Frigori, aluno da FEA, atualmente em intercâmbio na China,  organizou um grupo de voluntários para fazer trabalho de pedreiro no terreno de Alice. Ela conta que as visitas são uma alegria, com direito até a churrasco preparado pelos estudantes.

“Eu amo o Gustavo de paixão”, declara. “Imagina, alguém que mora no Morumbi ir ajudar uma pessoa que ele nem conhecia direito?”.

A situação, no entanto, mudou.  “Todo mundo conhece você, né?” pergunta Ken Julio Komia, outro feano que está trabalhando para subir as paredes do sonho de Alice. Mais que conhecida, Alice já é querida por muitos alunos –  que percebem que tudo isso é mais troca do que “ajuda”.

O imóvel foi comprado depois de 32 anos de serviço, nove deles passados na FEA. “Comigo não tem moleza”, afirma Alice. “Eu trabalho, não falto, cato lata, vendo e ajudo”, ao que Ken acrescenta: “o saco de lata é maior que Alice”. Ela ri e diz que não tem vergonha, mesmo quando as pessoas olham estranho na rua. Consegue dois reais por quilo de lata vendida, e assim, pouco a pouco, vai concretizando sua ambição.

Alice conta que já pediu ajuda para vários programas de televisão que se propõem a construir e dar casas para pessoas de baixa renda. “Já mandei carta para Gugu, Netinho, Luciano Hulk”, sem receber resposta. Mas, agradece, “tem muitos alunos aqui que são maravilhosos”.

A relação com a comunidade feana, aliás, não é só de solidariedade. Segundo Alice os universitários ficam ‘cheios de graça’ durante as festas, pedindo selinhos como se ela fosse a Hebe Camargo. “Eu dou bastante risada”, replica, avaliando que ali tem ‘muitos meninos bonitos’, alguns dos quais ela já considera como agregados da família.

Até o momento, a casa de Alice já tem prontos o salão e o banheiro, e estão sendo construídas as paredes do primeiro piso. A idade – mais pesada pela vida desgastante, a renda mensal, e a perspectiva de vida poderiam ter derrotado esta senhora, feito-a desacreditar de si mesma. Mas ela garante: “tem que sorrir, tem que trabalhar, se quer conseguir alguma coisa”, e assim segue vivendo, sonhando. E construindo.

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Alice é Gente da USP, e por isso aparece na editoria do USP Online que apresenta quinzenalmente personagens  interessantes que transitam pela Cidade Universitária e campi do interior. Mande sua sugestão de entrevistas para usponline@usp.br. 

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