Diálogo e formação humanizam trabalho na construção civil, revela pesquisa da FAU

Alunos da graduação em Arquitetura da FAU identificam ações pedagógicas dialógicas que contribuem para uma formação mais humana e menos alienada dos profissionais da construção civil, tanto os operários quanto os arquitetos e engenheiros, além dos limites impostos pelo capitalismo a cada uma dessas ações.

Giovanni Santa Rosa / Agência USP de Notícias

Colocar operários e arquitetos num mesmo nível e substituir a hierarquia vertical e a dominação pelo diálogo: essa é a proposta do arquiteto Francisco Barros, autor de uma pesquisa de mestrado sobre o tema na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). Barros identificou 24 ações pedagógicas dialógicas que contribuem para uma formação mais humana e menos alienada dos profissionais da construção civil, tanto os operários quanto os arquitetos e engenheiros, além dos limites impostos pelo capitalismo a cada uma dessas ações.

As ações pedagógicas dialógicas tentam aproximar não só os trabalhadores dos produtos e rendimentos de seu trabalho, estimulando a autonomia e a formação de cooperativas, como também o projeto ao processo de construção, levando a uma maior organicidade entre os profissionais e a um reconhecimento do que cada um conhece. Com isso, o ofício se torna mais realizador e mais humano para todos, que passam a ter liberdade para contribuir de fato com o projeto, já que a dominação e a exploração existentes seriam substituídas pelo diálogo.

A pesquisa envolveu três experiências de formação profissional que buscam superar a alienação imposta, por meio de formas de ensino e de execução em que todos participavam do processo completo de construção. O trabalho foi além da teoria e estudo: as experiências não são meros estudos de caso, já que Barros participou dos processos de formação profissional que estão na pesquisa.

A primeira foi na Escola Municipal de Ensino Profissional em Construção Civil Madre Celina Polci, em São Bernardo do Campo, que oferece diversos cursos, como pintura, alvenaria, instalações elétricas e hidráulicas e decoração. Os educandos recebem conteúdo teórico e crítico, junção que se reflete na disposição física do espaço: não há divisão entre o canteiro de obras e a sala de aula.

A segunda experiência teve foco na formação dos organizadores: foi na disciplina Técnicas Alternativas de Construção, da graduação em Arquitetura da própria FAU. Nela, Barros trabalhou como estagiário dos docentes responsáveis, acompanhando as atividades dos estudantes no canteiro experimental. O objetivo da matéria é fazer com que os alunos conheçam a prática real da arquitetura, construindo-a com suas próprias mãos, integrando o saber e o fazer.

A última foi a reforma de uma das casas da Escola Nacional Florestan Fernandes, entidade criada por militantes de movimentos sociais e trabalhadores sem terra. O trabalho foi realizado pela brigada socialista de construção da própria escola, com participação de coletivos da FAU.  Todas as questões referentes à obra eram debatidas em assembleia e decididas por meio do diálogo, sem hierarquia. Daí veio a ideia de fazer o telhado da casa de terra viva e grama, uma forma mais sustentável e menos dependente de materiais comumente usados, como ferro e concreto.

Nos três casos, Barros colheu depoimentos e realizou entrevistas para identificar as dificuldades e os problemas de cada uma das iniciativas pedagógicas. A partir delas, ele avaliou as experiências e identificou os limites das ações, bem como quais seriam as medidas adequadas para aperfeiçoá-las no objetivo de tornar o ensino e o trabalho menos alienados.

Limites

Barros aponta os limites existentes na sociedade atual para tais práticas. Eles são impostos pela organização da sociedade capitalista, que oferece uma formação profissional insuficiente na grande maioria dos casos, voltada para a atuação no mercado e visando apenas o trabalho numa única função. O arquiteto aponta que esse processo torna os trabalhadores acostumados com a hierarquia verticalizada, em que alguns mandam e outros obedecem sem poder questionar.

De acordo com o pesquisador, essas formas de ensino combatem as três formas de alienação apontadas por Karl Marx em seus manuscritos filosóficos: a alienação do produto, que separa o proletário do resultado de seu trabalho; a alienação do processo, que impede o trabalhador de participar de todas as etapas de produção, deixando-o confinado a uma delas, de forma mecânica; e a alienação da espécie, que se dá pela abstração por meio do salário.

No entanto, Barros ressalta que, apesar de cada ação pedagógica dialógica combater uma forma de alienação, todas elas precisam ser tomadas em conjunto, já que o trabalho alienado é um todo que só pode ser superado por uma revolução e, como diz o pesquisador, não existe meia revolução.

A pesquisa do arquiteto foi orientada pelo professor Reginaldo Ronconi e contou com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Mais informações: email chicobarros@hotmail.com 

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