CEstA traz novas abordagens para as questões indígenas

Parte dos Núcleos de Apoio à Pesquisa da USP, em que pesquisadores de áreas diversas investigam diferentes nuances do mesmo tema e dialogam sobre sua produção, o CEstA vai atualizar a abordagem da questão indígena com novas reflexões.

Foi criado neste ano, na USP, o o Centro de Estudos Ameríndios (CEstA). O grupo é mais uma iniciativa do projeto dos Núcleos de Apoio à Pesquisa, promovido na Universidade para congregar pesquisadores de diferentes competências, evitando assim a fragmentação das pesquisas. O CEstA traz ao tema das populações ameríndias não só a interdisciplinaridade, mas também novos enfoques, como a presença dos indígenas nas cidades, e também a revisão de outras questões, como a relação destes povos com o meio ambiente.

“Convidamos arqueólogos do MAE [Museu de Arqueologia e Etnologia], pesquisadores do IEB [Instituto de Estudos Brasileiros], do Departamento de História da FFLCH [Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas], e um matemático do IME [Instituto de Matemática e Estatística], além uma equipe abrangente de antropólogos que trabalham com dimensões mais diversas da questão indígena”, conta a professora Dominique Tilkin Gallois, coordenadora do CEstA.

A palavra ameríndios, no lugar de indígenas, utilizada nos projetos e trabalhos do Núcleo de História Indígena e do Indigenismo (NHII), que é mais antigo, indica uma mudança de foco. “O NHII foi criado logo depois da nova Constituição [de 1988], numa fase em que era essencial contribuir na melhoria das políticas indigenistas, como a garantia dos direitos territoriais dos indígenas brasileiros. Ampliamos agora para outras regiões, mesmo que ainda haja necessidade destas políticas”, diz a professora, explicando que o termo indígena atualmente tem sido mais usado no sentido de nativo de qualquer região, enquanto que ameríndio é uma caracterização mais precisa dos índios das Américas.

Eixos

A ideia do CEstA, segundo Dominique, é intercambiar reflexões, que serão divididas em grandes linhas ou eixos, estudados paralelamente. Um deles trata das “Fontes ameríndias” e busca uma discussão comparativa de diferentes fontes de pesquisa que cada uma das disciplinas utiliza. “Isso vai ser positivo para mostrar que as temáticas indígenas não são apenas abordadas pelo registro de narrativas orais ou da literatura, mas também de procedimentos computacionais, de escavações arqueológicas, de documentação escrita, diferentes tipos de fontes que sustentam os nossos resultados”, explica Dominique.

Outro feixe de questões aborda as “Estruturas ameríndias”, também em perspectiva comparativa, “para demonstrar que todos, cada um na sua disciplina, trabalham sempre na articulação das estruturas cosmológicas (as concepções cosmológicas destas populações), com a prática”, afirma a professora, que complementa: “Poderemos também evidenciar relações importantes tanto para os arqueólogos, quanto para historiadores e antropólogos, por exemplo, nas estruturas de trocas entre povos ameríndios, e nos seus modos de vida ao longo da história e no presente”.

“É comum se abordar as populações de maneira isolada, como se não houvesse extensas redes e formas de troca”, critica Dominique. Para dar conta disso, deseja-se mostrar os vários níveis de troca entre os indígenas. E o quanto eles são determinantes para entender o perfil indígena das Américas. “Outra coisa que também é muito pouco trabalhada e que vamos abordar é a presença indígena no meio urbano”, complementa a professora.

Para ela, ao falar dos ameríndios dos dias atuais, é preciso saber que os povos indígenas compartilham de todas as questões que vividas por todos nós no mundo contemporâneo. E essa abordagem compõe o terceiro feixe de questões para a pesquisa do CestA, incluindo o uso de novas tecnologias, as relações complexas que as comunidades mantém com as estruturas do Estado, e a sua produção literária, histórica ou etnográfica, que é insuficientemente conhecida, como argumenta:

“Nós focalizamos muito a questão da oralidade, quando na verdade eles [os indígenas] assumiram a escrita há muito tempo, e já existe uma produção interessante.”

Planos

Ainda falando da produção indígena, a professora afirma que o conhecimento construído pelos próprios índios  terá lugar dentro de todos os eixos. “Teremos uma série de atividades com este fim, como convidar regularmente pesquisadores indígenas formados ou atuando em diferentes universidades e instituições, para discutir suas próprias pesquisas e contribuições”, planeja a estudiosa.

De acordo com ela, três são os objetivos básicos dos pesquisadores que trabalham com povos ameríndios na USP: realizar pesquisa fundamental; contribuir com políticas públicas que visem melhorar o atendimento às questões indígenas; e promover a formação de jovens pesquisadores. E quanto ao último, Dominique diz que o grupo buscará montar cursos em conjunto com especialistas de diferentes campos, e oferecer aos mais de 60 alunos de pós envolvidos no Centro, atividades interdisciplinares, que raramente aconteciam no NHII.

“Os pesquisadores irão se responsabilizar por disciplinas, seminários – tanto internos quanto os abertos e os internacionais – e publicações. Planejamos também uma grande conferência anual, na qual convidaremos um expoente de estudos ameríndios”, destaca.

A intenção é também produzir, além da publicação das pesquisas, uma série didática, para renovar os conhecimentos que o grande público tem sobre os índios, inserindo-se temas novos, já que “nestas pequenas coleções de divulgação costumam ser sempre os mesmos os tratados”.

O tempo previsto para o projeto apoiado pela Pro-Reitoria de Pesquisa da USP é de três anos, mas o grupo pretende dar continuidade a ele após este período, ampliando o foco das pesquisas e a colaboração com pesquisadores de diversas áreas, como a linguística, a biologia, a ecologia, de modo a abranger “temáticas absolutamente essenciais para estes povos”.

Neste ponto, a meta é focalizar o que significa de fato para os povos indígenas meio ambiente e natureza, “conceitos nossos”, segundo a pesquisadora, e não necessariamente transculturais. Para ela, os índios têm esta “carga de ter que preservar o meio ambiente”, e quando por acaso não são vistos como preservadores, existe preconceito. “Queremos substituir esta ideia por outras mais aprofundadas – o que também é uma face da contribuição que queremos proporcionar às políticas públicas de proteção de patrimônios e territórios, a partir de um novo mapa: os conhecimentos dos próprios índios sobre o meio ambiente”.

Outra iniciativa que está sendo pensada para divulgar os trabalhos do CestA é a produção de um grande portal que centralize a produção da USP sobre os povos ameríndios. A página terá uma face acadêmica, disponibilizando teses, artigos, bibliografias e ferramentas de trabalho, e também divulgará atividades voltadas para o grande público, como chats com especialistas e trabalhos audiovisuais.

Scroll to top