Pesquisa da FD aponta que democracia brasileira retratada no cinema é problematizada

Filmes nacionais apresentam grupos de pessoas que estão à parte das normas jurídicas.

João Ortega / Agência USP de Notícias

Uma pesquisa da Faculdade de Direito (FD) da USP procurou criar um debate sobre a democracia brasileira a partir do estudo de obras cinematográficas em relação ao direito. Foi constatado que o modelo democrático estabelecido no País é autêntico, com particularidades que o diferencia dos modelos implantados em outras nações. A advogada Vanessa Vilela Berbel, realizadora da pesquisa, percebeu na sociedade brasileira dois grupos que estão à parte no sistema: os subintegrados, que não partilham do mesmo código jurídico, criando uma conduta moral e penal própria, e os sobreintegrados, que deturpam as normas por causa do poder financeiro que possuem.

A dissertação de mestrado A legitimação da democracia: observações do cinema na modernidade brasileira foi orientada pela professora Mara Regina de Oliveira. Os filmes utilizados para análise foram a ficção Terra em transe (Brasil, 1967), de Glauber Rocha, e o documentário Notícias de uma guerra particular (Brasil, 1999), de João Moreira Salles.

O objetivo do estudo foi gerar debate sobre a modernidade brasileira. “É possível ter modernidade nessa situação? É uma democracia de fato a democracia do jeito brasileiro?”, questiona Vanessa. As indagações não são plenamente respondidas, deixando o debate em aberto, mas a advogada ressalta que o modelo existente no Brasil não impossibilita o funcionamento da sociedade como um todo: “São problemas, mas não são generalizados e não impedem que os sistemas democráticos, o judiciário, o legislativo, funcionem”.

Cinema

O filme Terra em transe retrata uma nação fictícia, a República de Eldorado, localizada na América Latina. Porém, essa terra é alegoria escancarada do Brasil e mostra o transe político do país, ou seja, a situação dos sobreintegrados que dominam e bestializam o povo, configuração social que é herança do passado colonial.

A obra critica o falso populismo de políticos que, no fim das contas, acabam por beneficiar aqueles com mais poder econômico em detrimento da população. Além disso, critica o modelo brasileiro que se assemelha ao feudalismo medieval: latifundiários desempenham a função dos senhores feudais, controlando o poder político, de forma que as leis e normas estão abaixo de seus interesses.

De outro lado, o documentário Notícias de uma guerra particular tem seu foco voltado aos subintegrados. A partir de entrevistas, traça o modo de vida dos moradores de uma favela no Rio de Janeiro. Coloca em contraponto moradores, traficantes e policiais, participantes da guerra particular que ocorre nesse cenário, fruto da modernização das cidades brasileiras.

A guerra não se configura como civil pois está distante do Estado: nas favelas, a guerra tem leis próprias, tanto do lado policial quanto do lado dos traficantes. As normas acerca da violência são ditas pelas pessoas desse cenário, e não pelas leis do País. As ações, realizadas por todos os lados do conflito, enfraquecem a legitimação das normas jurídicas.

Arte

A pesquisa utiliza um método de estudo do Direito por meio da análise da arte. Vanessa acredita que as emoções humanas, da mesma forma que estão inseridas em questões jurídicas, têm seu lugar nas pesquisas sobre este assunto. “É preciso viver as emoções dos problemas humanos para pesquisá-los”. Sendo a arte expressão das emoções, ela se torna objeto de estudo.

Nesse caso, essa forma de pesquisa torna-se ainda mais relevante na medida em que procurou-se analisar a autenticidade da democracia brasileira, e a arte aparece como um retrato específico dessa sociedade. “A arte não é um elemento meramente epitelial, ela propõe um debate sério”, ressalta a advogada.

Mais informações: (11) 3313-0008, email vberbel@yahoo.com.br, com a pesquisadora Vanessa Vilela Berbel

Scroll to top