Biochip desenvolvido em São Carlos pode agir como “bluetooth” do cérebro

Através dessa tecnologia revolucionária, pessoas que perderam o movimeno ou mesmo algum membro poderão recuperar a mobilidade.

Assessoria de Comunicação do IFSC

É notável a complexidade das ações que regem nosso corpo – coisa que tanto pesquisadores da área de saúde, até os mais leigos sabem. A maneira como o corpo humano tem se mostrado compatível com a evolução tecnológica é mais um capítulo a destacar nesta espécie de “inteligência biológica”.

Exemplo disso é como o organismo é capaz de absorver substâncias estranhas a ele e incorporá-las, como se dele fizessem parte. Os implantes de titânio, elemento químico da família dos metais, revolucionaram os tratamentos dentários há quinze anos. Os polímeros, usados também há algum tempo para encapsular diversos medicamentos que ingerimos, já foram aceitos pelo nosso corpo sem nenhuma rejeição ou efeito colateral.

Mas, no século 21, esses materiais e procedimentos soam como da idade da pedra se comparados com a ambição de um time de pesquisadores da USP , em conjunto com colegas de outras universidades. Eles pretendem nada menos que implantar um chip no cérebro, capaz de enviar sinais do córtex motor para um dispositivo fora do corpo, gerando a possibilidade de devolver os movimentos a membros do corpo humano sem funcionamento.

Tal chip será integrado a uma antena e a alguns eletrodos, configurando-se em um dispositivo nomeado Interface Neural Implantável – algo que pode ser entendido metaforicamente como um bluetooth do cérebro.

O material eleito para a criação dessa interface é o carbeto de silício (SiC), em princípio totalmente compatível com o corpo humano, que carrega propriedades semicondutoras e, ao mesmo tempo, cerâmicas, sendo três vezes mais flexível e resistente do que o silício. Uma vez implantado no cérebro, ele enviará sinais deste para o membro que deve se mover: braço ou perna.

Através dessa tecnologia revolucionária, mesmo aqueles que perderam algum membro poderão recuperar o movimento. Nesses casos, entrará em cena um exoesqueleto, que vem sendo confeccionado na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), sob a coordenação do docente Adriano Almeida Siqueira. Dessa forma, sinais elétricos do cérebro serão enviados ao chip que, por sua vez, enviarão o comando ao exoesqueleto, permitindo que o movimento seja feito.

Outros materiais

Antes de se chegar ao carbeto de silício, o docente da University of South Florida (USA) e professor-visitante do Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação (ICMC), Stephen Saddow – um dos participantes da pesquisa em questão – testou outros materiais que, num curto período de tempo, mostraram-se incompatíveis com o corpo humano.

Entre os candidatos estava o silício, que só conseguiu permanecer no organismo por alguns meses. A segunda tentativa foi encapsular o silício com cerâmica. Porém, alguns anos depois, a rejeição das células humanas ao material levou ao insucesso. “Pessoas não podem fazer cirurgias no cérebro a cada cinco anos. Primeiro, porque, a cada cirurgia, tecidos do cérebro são mortos e danificados. Segundo, porque elas não terão condições de arcar com esse custo”, justifica Stephen sobre o curto prazo de validade dos materiais testados até o momento.

Com o SiC, entretanto o cenário é outro. Experiências em seres humanos ainda não foram feitas, mas nos testes in vitro – feitos com células de seres humanos, analisadas em placas de Petri, os resultados com o carbeto são animadores. “Até o momento, não houve reação ao SiC. Se compararmos com o tempo de resposta dos outros materiais testados, como o silicone, a rejeição química das células humanas ocorreu em alguns dias. A experiência com o SiC foi feita há um mês e até o momento não houve nenhuma reação química às células”, comemora Stephen. “Mesmo que um mês não sejam 15 anos, essa primeira resposta é muito promissora”.

Ambiente inóspito

O experimento é algo novo na história da ciência. Isso porque, além do ineditismo do local onde se pretende fazer o implante, trata-se de um ambiente inóspito, com corrente sanguínea e reações químicas ocorrendo constantemente. Assim, todo cuidado é pouco.

Em conjunto com Stephen, o docente do IFSC, Valtencir Zucolotto, oficializará uma colaboração em que, utilizando seus conhecimentos em nanotoxicologia, estudará a toxicidade e biocompatibilidade dos novos materiais que estarão no cérebro humano. “Colocaremos os materiais em contato com células humanas neuronais. Os testes serão in vitro, em princípio, e posteriormente pretende-se avançar para testes in vivo, com roedores”, esclarece Zucolotto.

No ICMC, o docente Mário Alexandre Gazziro trabalha com a otimização de consumo de energia na Interface Neural Implantável que será criada, além de um equipamento já construído capaz de fazer um mapeamento tridimensional do corpo humano.

O consumo é um fator crítico no desenvolvimento da interface cerebral sem fios, pois quanto maior é a quantidade de eletrodos, melhor a precisão dos movimentos realizados. Porém, mais eletrodos representam maior consumo. “Vamos começar com três eletrodos, possibilitando movimentos com poucos graus de liberdade”, planeja Gazziro. Segundo o pesquisador, o ideal seriam cem eletrodos para diversos graus de liberdade, mas com 1000 eletrodos é possível reproduzir os graus de movimento complexos de uma mão com todas as articulações dos dedos. “Logo, a redução do consumo de energia permite a inclusão de mais eletrodos, sendo que esse será sempre um fator a otimizar na interface proposta”, completa.

Interface-4

Ainda dentro do projeto, o docente do IFSC, Cléber Renato Mendonça, é atualmente responsável pela microfabricação a laser. Completando a equipe, o docente da Universidade Federal do ABC (UFABC), Carlos Alberto dos Reis Filho, desenvolverá a parte de eletrônica analógica do chip e supervisionará o projeto da antena.

Até o momento, os resultados oferecidos pela pesquisa básica têm trazido entusiasmo aos pesquisadores. Sua aplicação, no entanto, caminha a passos cautelosos. “Para que as Interfaces Neurais Implantáveis estejam no mercado, a previsão mais realista é de dez a vinte anos. A conclusão dos estudos deve ser feita em cinco anos”, conta Stephen. “Minha esperança é que consigamos fechar os testes com humanos em seis anos. Se atingirmos essa meta, o chip irá para o mercado mais rapidamente”.

O SiC já vem sendo utilizado em interfaces musculares, ou seja, no sistema nervoso periférico. Nesse novo projeto, inicia-se seu uso no sistema nervoso central, sendo que as respostas imunológicas do organismo neste caso são completamente diferentes. Daí o longo prazo para validação clínica do sistema (estimado em três anos para testes em ratos e 15 anos para testes com humanos), ou seja, para que o produto efetivamente chegue ao mercado.

Mas para aqueles que até hoje só puderam acompanhar na ficção a recuperação de movimentos, em princípio irreversíveis, já há algum motivo para comemorarção. Ao que tudo indica, a espera valerá a pena.

Mais informações: email tatiana.zanon@ifsc.usp.br

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