Borda de tumor influencia reincidência de câncer no fígado, aponta estudo da FMUSP

Probabilidade de retorno do câncer é maior quando as bordas do tumor são infiltrativas.

Bruna Romão / Agência USP de Notícias

Pacientes com metástase hepática de tumores colorretais — quando um câncer inicialmente originário da parte final do intestino (cólon e reto) se instala no fígado — têm mais chances de apresentar reincidência da doença quando as extremidades do tumor invadem livremente o tecido do órgão, as chamadas “bordas infiltrativas”. A pesquisa Avaliação das margens cirúrgicas e do tipo de borda tumoral nas ressecções hepáticas por metástase de câncer colorretal e seu impacto na mortalidade e recidiva, desenvolvida na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), identificou e analisou os prontuários de todos os pacientes do Hospital das Clínicas (HC) submetidos à cirurgia para eliminação desse tipo de tumor nos últimos dez anos — a hepatectomia ou ressecção de parte do fígado.

A constatação do trabalho, explica o médico Rafael Soares Nunes Pinheiro, pode auxiliar no tratamento de novas ocorrências da enfermidade, prevenindo seu avanço. O método permite apontar, com a análise da borda tumoral, os pacientes com maior risco de desenvolverem novamente o câncer. “Assim, para pacientes com bordas infiltrativas, podemos fazer exames de rastreamento mais frequentes com o intuito de identificar precocemente — e, logo, de menor tamanho — uma possível [retorno da doença], aumentando as chances de cura”, diz o autor.

O estudo também observou que a sobrevida e recorrência da doença não são afetados pela distância entre o tumor e a porção de fígado com ele retirada. Essa distância é denominada margem de segurança e ajuda a garantir que o nódulo tumoral seja completamente tirado do órgão. Há, no entanto, divergências na literatura médica quanto ao seu tamanho ideal. Enquanto alguns autores afirmam que é preciso deixá-la com pelo menos um centímetro, outros dizem que mesmo deixando-a menor, obtém-se os mesmos resultados de sobrevida e recaída do primeiro caso. A pesquisa da FMUSP respalda este último ponto de vista, dando preferência a margens cirúrgicas pequenas, o que possibilita preservar o máximo de fígado sadio.  “Precisamos nos assegurar que o fígado restante seja suficiente para cumprir sua função, pois se ficar muito pequeno, pode ocorrer a insuficiência hepática, o que é mortal”, explica Pinheiro.

Além disso, o conhecimento desse dado pode contribuir inclusive para a decisão médica sobre o tratamento contra o câncer. Assim, mesmo quando o tumor estiver próximo (menos de 1 cm) de estruturas importantes do órgão que não podem ser ressecadas,  como uma grande veia ou artéria, a equipe médica poderá optar pelo tratamento cirúrgico, uma vez que não há mudança caso a margem cirúrgica seja maior ou menor.

Nova abordagem e novas perspectivas

Ao todo, foram revistos os prontuários e lâminas com material cirúrgico de 91 pacientes do HC que passaram por ressecção de metástases hepáticas entre janeiro de 2000 e dezembro de 2009. Com o auxílio do microscópio, foram medidas as distâncias das margens cirúrgicas e analisadas as características da membrana dos tumores, que foram classificadas em bordas infiltrativas, que se projetam no tecido do fígado, ou expansivas, que parecem empurrar as estruturas celulares vizinhas sem as invadir. Pinheiro simplifica: “Imagine que o tumor é uma bolinha, identificar a borda é saber se ela é lisinha como uma bola de ping pong [expansiva] ou se é irregular como uma bola de tênis, ‘peludinha’ [infiltrativa]”.

De acordo com o médico, este critério de classificação diferencia a pesquisa, uma vez que, apesar de existir para os tumores colorretais primários, não costumava ser aplicado para suas metástases. Após a primeira etapa, o pesquisador cruzou os dados observados com os respectivos prontuários, para identificar possíveis relações com a sobrevida dos pacientes e a recorrência do câncer.

A pesquisa traz mais conhecimento sobre as especificidades e perspectivas de tratamentos para o câncer colorretal, o quarto tipo mais comum da doença no mundo, atingindo cerca de 1,23 milhão de pessoas, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Cerca de 50% dos pacientes com esse tipo de tumor desenvolvem metástases no fígado em algum momento do curso da doença, uma vez que o órgão é o primeiro pelo qual passa todo o sangue drenado do intestino, antes de circular pelo resto do corpo. “O figado acaba servindo de peneira para as células tumorais que se desprendem do tumor e caem na corrente sanguínea, pois elas tem uma tendência de ‘estacionarem’ no figado e se desenvolverem lá”, conta o pesquisador.

Mais informações: email rsnpinheiro@gmail.com, com Rafael Pinheiro

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