Pobreza prejudica diversidade de vínculos sociais, afirma estudo da FFLCH

Estudo concluiu que as redes sociais de indivíduos em situação de pobreza são menores, menos variadas e mais baseadas em vínculos primários do que as de indivíduos de classe média.

Viver em condição de pobreza prejudica vários aspectos da vida de um indivíduo. A despeito da convicção de que comunidades mais pobres geram laços mais fortes entre seus integrantes, uma pessoa que vive na periferia e com condição econômica ruim tem mais dificuldade também em manter relacionamentos sociais duradouros fora da família e da vizinhança – além de ter acesso a um círculo menos diversificado de pessoas.

A análise faz parte do estudo Redes sociais, sociabilidade e segregação, desenvolvido pelo professor Eduardo Cesar Leão Marques, no Centro de Estudos da Metrópole (CEM).

O repertório contemporâneo, de um mundo informatizado e conectado 24 horas por dia, dá uma definição própria à expressão “rede social”, ligando o termo a páginas da internet que promovem a interação entre usuários. Mas para a sociologia, as redes sociais são um conceito bem mais antigo, e que ajuda a analisar como funciona uma sociedade em aspectos diversos.

“Cada um de nós está cercado de relações com outros indivíduos e com entidades. As redes sociais são conjuntos articulados de relações que indivíduos e entidades têm com outros indivíduos e entidades , e que se cristalizam em interações mais duradouras”, explica o pesquisador do CEM, grupo interinstitucional do qual faz parte a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “É um método de analisar a sociedade”, completa.

Segregação

A pesquisa de Marques, realizada entre 2006 e 2011, deu continuidade a estudo anterior, desenvolvido de 2000 a 2005, que fazia uma conexão entre pobreza e segregação sócio-espacial na cidade de São Paulo. Como produto final, foi publicado o livro São Paulo: Segregação, Pobreza e Desigualdade Social (Senac Editora, 2004), que mostra como em São Paulo a pobreza tem uma dimensão territorial, e está fortemente associada à segregação.

“Indivíduos em iguais condições, mas posicionados diferentemente em relação à divisão sócio-espacial, têm um ‘futuro’ diferente, considerando-se indicadores de desemprego, da probabilidade de sofrer uma morte violenta, de gravidez na adolescência e de agravos de saúde”, relata o pesquisador.

A hipótese estabelecida, segundo Marques, era a de haver uma ligação entre separação territorial e isolamento social. “Os indivíduos segregados teriam menos contatos com outros grupos sociais e, portanto, menos acesso a oportunidades, serviços, informação e repertório cultural”. Tal explicação, porém, não parecia suficiente. “Essas pessoas poderiam estar separadas territorialmente, mas conectadas por redes que ultrapassam a questão do espaço”, pondera. A busca então, se voltou a entender as redes sociais e suas consequências para a mobilidade social.

A partir daí, em busca de variações nas condições de segregação, a pesquisa analisou comparativamente as redes sociais de indivíduos em diversas situações de pobreza em São Paulo – testando assim os efeitos das redes. “Foram feitas análises de locais segregados, não-segregados, favelas próximas a ricos, favelas de periferia, favelas em bairros de classe média, conjuntos habitacionais e cortiços”.

A conclusão foi a de que redes sociais de indivíduos em situação de pobreza são menores, menos variadas e mais baseadas em vínculos primários do que as de indivíduos de classe média. Em redes sociais, vínculos primários são formados na esfera da família, da vizinhança e da amizade, e são propensos a abrigarem pessoas mais parecidas com o indivíduo estudado. “Em atividades de trabalho, associações, redes comerciais, políticas e igrejas são mais prováveis vínculos com pessoas diferentes, o que potencialmente traz mais recursos, já que o indivíduo se conecta com ideias diversas”.

Mesmo assim, há uma grande variação dentro de ambas as redes. “Tanto na classe média quanto no interior da pobreza, existe alta variabilidade nas redes produzidas pela família, pela fase da vida em que o indivíduo se encontra, por ele estar ou não no mercado de trabalho e por ser ou não migrante, entre outros fatores”.

Um dos resultados evidenciados pelo estudo demonstra também que as redes sociais mantidas por indivíduos de classe mais baixas são mais recentes do que as de indivíduos de classe média. “Os indivíduos de classes mais baixas periodicamente ‘jogam foram’ pedaços de suas redes por não conseguirem fazer frentes aos custos financeiros de mantê-los, além da questão do tempo e da disponibilidade pessoal, enquanto os indivíduos de classe média acrescentam pessoas à rede”.

Essa exclusão, em conjunto com os demais resultados da pesquisa, demonstra que alguns tipos de rede são associados a situações sociais piores, e outros tipos a situações sociais melhores. “As redes são importantes pois as pessoas podem mobilizar uma ajuda social através delas”, explica o professor. “E essa ajuda depende de uma combinação de confiança, tempo e o tipo de vínculo”.

Continuidade

Os estudos de Eduardo Marques, que também analisam o papel das redes sociais na superação da pobreza e da segregação, têm continuidade, com divulgação em âmbito internacional. Este ano, além da publicação do volume Redes sociais no Brasil: Sociabilidade, organizações civis e políticas públicas (Fino Traço Editora), de sua organização, foi lançado o livro Opportunities and Deprivation in the Urban South.

A obra, publicada no Reino Unido pela editora Ashgate é baseada na tese de livre-docência do professor do Departamento de Ciência Política da FFLCH. Para a realização do livro, a coleta de dados foi ampliada e complementada por pesquisa qualitativa sobre o uso das redes no cotidiano dos indivíduos.

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