Leis ainda não dão aos índios direito à posse de terras, aponta pesquisa da FD

Estudo da Faculdade de Direito mostra que desde o Império havia intenção de integrar o índio para que ele deixasse suas tradições.

Paloma Rodrigues / Agência USP de Notícias

Ao longo de suas edições, a Constituição Brasileira mudou seus propósitos para os indígenas. Em 1988 fica claro que a intenção do Brasil não é mais civilizar os “selvagens”, como se desejava no final do século 19, início da República (1889), mas de protegê-lo e garantir seu espaço territorial. Ainda assim, o que mostra pesquisa da Faculdade de Direito (FD) da USP é que os modos que o Estado utiliza para manter o indígena protegido é semelhante ao de épocas passadas: tornando-o usufrutuário das terras que ocupa e não lhes dando legitimamente o controle sobre elas.

As fontes principais para a pesquisa foram as leis, buscadas nas constituições brasileiras desde o início da República no Brasil. “É importante frisar que é um trabalho sobre a história do direito, mas minha análise não foi a partir da história, mas especificamente das leis. Outra pesquisa pode partir de um outro ângulo e chegar a outras conclusões, por exemplo”, diz Rodrigo Sérgio Meirelles Marchini.

O que ficou claro é que desde a época do Império existia essa intenção de integrar o índio à sociedade, de modo que ele deixasse de lado suas tradições, e isso está expresso em leis e decretos. “O modo de vida do índio não era respeitado. Podemos ver na Constituição de 1967, no artigo quinto “incorporação dos silvícolas à comunhão nacional”. Isso não era apenas um desejo, era um objetivo expresso na constituição”, diz ele.

Tratamento não mudou

Em 1973 é criado o Estatuto do Índio com o objetivo de priorizar ainda mais a proteção do índio dentro do plano de governo. Entretanto, ainda se planeja realizá-lo introduzindo-o à sociedade.

Havia uma forte pressão envolvendo os direitos de terra, já que empresários e agricultores alegavam ter o direito legal sobre elas. “Alguns apresentavam documentos de 1850 pra provar que eram donos das terras. Cada estado tomava uma providência diante disso, o que dificultava muito o controle por parte da União.”

A posição da União foi de declarar ser a proprietária de todas as terras, mas ter liberado a ocupação e utilização dos recursos naturais por parte dos índios. A explicação legal dada para a questão é a de que o indígena era incapaz de gerir as propriedades e, portanto, seria apenas um usufrutuário dela. O que se veiculava era que, a partir do momento que o índio se integrasse à sociedade, ele poderia ser dono de uma porção de terra, assim como qualquer outro cidadão brasileiro.

Marchini diz que o método deu certo pois a única opção para os indígenas terem proteção estatal era se passassem a trabalhar junto aos agricultores e grandes produtores, deixando de ficar isolados e sendo mais participativos socialmente. “Isso funcionava como um aviso “se você quer ter proteção e direitos, você vai ter que obedecer as nossas normas. Se você continuar isolado, não vai receber nenhum tipo de assistência”. Isso começou a influenciar a escolha do índio de se integrar mais”, diz ele.

Essa pretensão mudou ao longo do tempo. Na Constituição de 1988, o objetivo de civilizar o índio não está mais expresso. A cultura e o modo original de vida do indígena começaram a ser respeitados. Mas o que Marchini destaca é que ele ainda continua sendo tratado como um incapaz perante à lei, pois não é dono de suas terras, mas apenas um usufrutuário. A proprietária das terras continua sendo a União.

O autor da dissertação de mestrado reuniu os documentos que utilizou para seu trabalho em um blog. Ele diz que o intuito é facilitar o trabalho de outros pesquisadores que queiram estudar o tema, já que muitos documentos utilizados ainda não estavam disponíveis na internet, o que prolonga e dificulta o processo de pesquisa.

Mais informações: email rodrigo.marchini@usp.br, com Rodrigo Sérgio Meirelles Marchini

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