Pesquisa da FD mostra que sigilo da fonte é garantia para o trabalho jornalístico

Poder Judiciário não pode exigir que o jornalista revele essa informação, pois é uma garantia Constitucional.

Valéria Dias / Agência USP de Notícias

Se um jornalista for chamado a depor diante de um juiz, em processo criminal ou cível, ele tem o direito constitucional de não revelar o nome da pessoa que lhe passou a informação jornalística, caso essa revelação coloque em risco o exercício profissional. A prerrogativa é assegurada pela Constituição Federal e a negativa não acarretará responsabilidade penal. “Porém, se o profissional receber a informação ‘ in off ‘ e a revelar em juízo poderá se responsabilizar perante o informante”, lembra a promotora de justiça e professora universitária Ana Lúcia Menezes Vieira.

“No Brasil, a discussão sobre o sigilo da fonte é muito incipiente”, diz a pesquisadora. Ela estudou o tema para a pesquisa O sigilo da fonte de informação jornalística como limite à prova no processo penal, apresentada em 5 de junho na Faculdade de Direito (FD) da USP sob a orientação do professor Antonio Magalhães Gomes Filho. Ana Lúcia também pesquisou o que diz a legislação sobre o assunto em outros países: Estados Unidos, Suécia, Portugal, Alemanha, Itália, França, Argentina e Inglaterra.

Segundo a promotora, o artigo 5º inciso XIV da Constituição brasileira diz que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. “O sigilo da fonte foi colocado na carta magna de 1988 como um instrumento para assegurar um direito humano fundamental no Estado Democrático de Direito que é o da liberdade de imprensa, direito esse que já exista no Brasil antes dessa Constituição”, conta Ana Lúcia. “E esse sigilo também é garantido no caso de busca e apreensão de material de trabalho [gravador, agenda, computador, etc.], completa. Em nenhuma das Constituições brasileiras anteriores havia garantia semelhante.”

Outras legislações

A legislação sobre o tema é bem diversa entre os países analisados, sendo que alguns asseguram o sigilo da fonte e outros não. Em Portugal, se o juiz acredita que o jornalista deve revelar a fonte, é necessário chamar o Sindicato dos Jornalistas para decidir o que deve ser feito. Se a entidade negar o pedido de revelação da fonte, é possível recorrer à Corte Suprema e eles decidem o que o profissional de imprensa deverá fazer, sob a pena de responder por crime caso se negue a falar.

Já na Suécia, a proteção ao segredo da fonte é extremamente ampla, mas admite limites expressamente previstos em lei e em casos excepcionais. “Em 1992, foi aprovada a Lei Fundamental da Liberdade de Expressão, que garante o anonimato na divulgação de informações jornalísticas”, explica.

Nos Estados Unidos, de acordo com a pesquisadora, há uma tendência atual de não reconhecer o segredo jornalístico. “Depois de Watergate, escândalo que culminou com a renúncia do presidente americano Richard Nixon [1969-1974], passou a ser comum que os jornalistas fossem chamados como testemunhas em procedimentos penais, com a obrigação de revelarem a fonte. Em 2005, a jornalista Judith Miller, do The New York Times, recusou-se a revelar a fonte no caso Valerie Plame e foi condenada e presa por ‘desacato ao tribunal’. Em 1978, um redator do mesmo jornal também havia sido preso por negar-se a revelar a fonte no caso Myron Faber”, lembra a pesquisadora.

A jornalista Judith Miller ficou presa por 85 dias por se recusar a revelar a identidade da fonte que lhe havia indicado que Valerie Plame, mulher do ex-diplomata dos EUA, Joseph Wilson, era uma espiã da CIA. Já Myron Faber ficou preso 40 dias pois se negou a entregar as fontes de uma reportagem sobre um médico acusado de matar pacientes com veneno.

Na Inglaterra, Portugal, Itália, França e Argentina o segredo da fonte deve ceder quando se tratar de questões referentes à processos judiciais.

Verdade e credibilidade

A pesquisadora destaca que, no jornalismo, ‘verdade’ é aquilo que consta na notícia. Não é a verdade que se obtém do fato, mas da versão do fato. “No processo penal, a ‘verdade’ que se busca é a processual. É aquilo que foi trazido no processo, como prova, adquirido por meios legais. Não se pode aceitar como provas as reportagens realizadas com câmera escondida, sem a autorização judicial, mesmo que esteja sendo mostrado a prática de um crime. Isso porque a prova, no processo criminal, depende de requisitos legais e constitucionais para ser lícita, para ‘valer’ como prova e, principalmente, poder condenar alguém. A notícia vale como material jornalístico, para informar. Só pode valer como prova no processo criminal se identificada a fonte, para que, eventualmente, possa ser confirmada”, explica a promotora.

Ana Lúcia lembra ainda que a credibilidade da informação depende da divulgação da fonte. Se a reportagem tiver a identificação de quem passou as informações, poderá servir para condenar. Mas é preciso refletir também que não há como saber quais foram os meios que o jornalista se utilizou para conseguir essa informação. “Caso ele tenha usado métodos de tortura ou se gravou ligações telefônicas clandestinamente, sem ordem judicial, isso é considerado ilegal, e as provas ilícitas precisariam sair do processo”, diz.

A pesquisadora finaliza dizendo que, se a absolvição de um homicida depender da revelação da fonte, ainda assim o jornalista não é obrigado a falar, a menos que sua consciência exija. E o acusado, como fica? “Ele deve ser absolvido por falta de provas caso a única prova seja a fonte jornalística. O sigilo da fonte é instrumento de democracia e deve ser preservado.”

Mais informações: email almvieira@uol.com.br, com a pesquisadora Ana Lúcia Menezes Vieira

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