Militarização não resolve questão de segurança sul-americana, revela pesquisa do IRI

Problemas de segurança na América do Sul não são tradicionais, mas as políticas são. Disparidade foi constatada por pequisa do Instituto de Relações Internacionais da USP.

Bruna Romão / Agência USP de Notícias

A agenda de segurança dos Estados Unidos para a América do Sul é caracterizada pela adoção de políticas tradicionais, como a militarização, em resposta a problemas não tradicionais que vão além de ameaças militares, entre eles o narcotráfico. A conclusão partiu do projeto de pesquisa América do Sul-EUA: Dinâmicas e padrões do complexo regional de segurança, finalizado em 2011 no Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, sob a liderança do professor Rafael Antonio Duarte Villa, do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais (Nupri). O estudo buscou observar as relações dos EUA e dos países sul-americanos quanto às políticas de segurança aplicadas na região.

Apesar de não ser uma localidade prioritária para a política de segurança estadunidense, a América do Sul recebe a atenção do país em relação a questões como o tráfico de drogas, contrabando e o conflito colombiano. Além disso, houve a incorporação da região à lógica da nova política de segurança nacional dos EUA após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, a chamada guerra contra o terror, tendo sido considerada possível a existência de células terroristas em território sul-americano.

Posicionamento dos países sul-americanos

Até meados da primeira década deste século, as políticas de segurança da região sul-americana não eram autônomas, dependendo vitalmente dos EUA e seu foco em ameaças militares. “Os países da região não tinham uma atitude propositiva, que prevenisse e agisse ante aos problemas”, explica Villa. Entre essas políticas, destaca-se o Plano Colômbia que, iniciado em 2000, caracteriza-se pela intervenção dos EUA, com cooperação e treinamento militar, para o combate ao narcotráfico em território colombiano. “O Plano Colômbia era quase uma política unilateral”, comenta o pesquisador. Aprovadas pelo governo colombiano, a política era desenvolvida quase exclusivamente pelos EUA.

Apesar do alinhamento de países como a Colômbia, o professor lembra que vários países sul-americanos eram críticos à política de intervenção americana na segurança do continente. “Mas como não havia nenhuma ação propositiva, não é possível observar políticas autônomas dos próprios países sul-americanos”, diz. A própria divisão dos países entre os que apoiavam e os que criticavam os EUA geraram impactos sobre a formação do complexo regional de segurança, fragmentando a região.

Todavia, de cerca de cinco anos para cá, as nações da América do Sul passaram a trabalhar em políticas autônomas voltadas àquilo que consideram problemas de segurança. “O que esses países consideram como questões de segurança é algo mais amplo do que meras ameaças militares”, relata o professor. Em sua maioria, os problemas identificados por esses países estão diretamente ligados a questões de ordem social e política, como narcotráfico e a violência que gera pobreza, desigualdade e segurança pública.

Assim, é percebida a necessidade da criação de respostas próprias e adequadas aos aspectos específicos que caracterizam a região. “Para o sul-americano, a ameaça global, como ficou conhecido o terrorismo após o 11 de setembro, não faz muito sentido, porque a região tem problemas específicos que a ameaçam de maneira mais direta”, completa Villa.

Escolha pela não militarização

Foi a partir da constatação destes aspectos específicos que nasceram iniciativas e instituições que pudessem lidar com eles, como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), que se preocupa não apenas com problemas de ameaça militar, mas também tem ação voltada à questão da instabilidade política. Como parte da própria Unasul, há também o Conselho Sul Americano de Defesa, que coordena e promove a cooperação regional em matéria de segurança. Neste sentido, a atuação do Brasil, como o país com grande impacto político e econômico, também assumiu importância em matéria de segurança e defesa regional. “A criação do Conselho foi uma iniciativa basicamente brasileira”, lembra o pesquisador.

Diferentemente da ação americana, a agenda de segurança sul-americana opta por instrumentos não tradicionais para os problemas de natureza social. Para Villa, o narcotráfico, por exemplo, não pode ser combatido apenas por meio da militarização do combate à droga. “Como são problemas com raízes em questões sociais como a pobreza e a má distribuição da terra, tem-se mecanismos militares aplicados a situações que não são fontes tradicionais de ameaças”, comenta.

Embora a América do Sul e os EUA não coincidam quanto à maneira de ação contra os perigos de segurança e à presença de terrorismo na região, existem algumas manobras conjuntas para monitoramento do narcotráfico e da saída de drogas, por exemplo. “Os países da região também estão mais dispostos à colaborar com os EUA em ações de prevenção ao terrorismo, do que em ações diretas ao combate”, complementa o professor.

Mais informações: email rafaelvi@usp.br, com Rafael Villa

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