Pesquisa da FFLCH revela como pressão empresarial abrandou norma de publicidade de alimentos

De acordo com o estudo do cientista político Marcello Baird, o lobby dos empresários do setor de alimentação abrandou as normas propostas pela Agência e a resolução foi suspensa por liminares na justiça, com base em parecer contrário da Advocacia Geral da União (AGU).

Júlio Bernardes / Agêngia USP de Notícias

Pesquisa apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP revela que a pressão de grupos de interesse empresarial tornou sem efeito a regulamentação da publicidade de alimentos publicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2010. De acordo com o estudo do cientista político Marcello Baird, o lobby dos empresários do setor de alimentação abrandou as normas propostas pela Agência e a resolução foi suspensa por liminares na justiça, com base em parecer contrário da Advocacia Geral da União (AGU).

O trabalho investiga os mecanismos de ação política utilizados pelo empresariado e por grupos de interesse público, representados principalmente por Organizações Não Governamentais (ONGs), nas discussões e após a publicação da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 24, de junho de 2010.

“A Anvisa iniciou o debate sobre a regulação da publicidade em 2005 e uma das principais propostas era colocar advertências na publicidade de alimentos com grandes quantidades de açúcar, sal, gorduras trans e saturadas, além de bebidas com baixo teor nutricional, associados a doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade e diabetes”, diz o cientista político. “Os anúncios não poderiam associar o consumo desses produtos a ideia de bem estar e nem promover iniciativas de marketing que os associem a campanhas sociais. A propaganda de alimentos infantis na televisão passaria a ter restrições de horário.”

A ação dos grupos de interesse empresarial contra a regulamentação começou no grupo de trabalho criado na Anvisa para discutir a resolução, que tinha representantes da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA) e do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que representa as empresas de comunicação e publicidade. “Para fazer valer seus interesses, o empresariado usou um amplo de leque de ações políticas, como encontros com funcionários do Ministério da Saúde e o próprio ministro na época, José Gomes Temporão, que ficou neutro na discussão, permitindo que a Anvisa atuasse sem restrições”, aponta Baird.

Legislativo e judiciário

O lobby empresarial também atuou no poder legislativo, arregimentando membros do Congresso Nacional para convocarem diretores da Anvisa para audiências públicas, que serviam como instrumentos de pressão. “Por fim, a RDC 24/2010 foi publicada, mas dispondo apenas sobre a veiculação de advertências na propaganda sobre os malefícios dos alimentos”, afirma o cientista político. “Imediatamente, os empresários publicaram um manifesto contra a resolução. Um projeto de decreto legislativo foi apresentado pelo deputado federal Milton Monti (PR-SP) sustando a medida da agência, que ainda está em tramitação no Congresso, e a AGU foi acionada”.

A AGU, que assessora juridicamente o poder executivo, já havia emitido dois pareceres contrários a regulamentações da Anvisa sobre publicidade de bebidas alcoólicas e medicamentos. “Para o órgão, esse tipo de regulação deve passar pelo Congresso Nacional, o que reapareceu no parecer sobre a publicidade de alimentos”, ressalta Baird. “Com base nessa decisão, os empresários entraram na justiça e obtiveram diversas liminares que suspenderam a aplicação da RDC 24/2010. Atualmente, há dez ações em tramitação impedindo a vigência da resolução.”

Mesmo depois  das ações políticas terem migrado para o poder judiciário, devido às ações contra a RDC 24/2010, o cientista político destaca que o empresariado empreendeu algumas ações no sentido de aumentar sua influência sobre a Anvisa. “Isso significou a  articulação junto ao comitê de campanha da  candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República, em 2010, e a indicação, no ano seguinte, de um diretor mais afinado com os interesses empresariais, o que resultou na reestruturação da área de publicidade da Anvisa, reduzindo-lhe a força regulatória”, conclui.

Brasília X São Paulo

O cientista político aponta que o lobby empresarial foi bem sucedido devido aos maiores recursos organizacionais e financeiros e, pelo fato de se constituir em uma elite com força econômica, ter acesso privilegiado aos círculos de poder. “As principais associações do setor são sediadas em Brasília ou têm representação na cidade, enquanto as principais ONGs a favor da regulamentação, o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) e o Instituto Alana, ficam em São Paulo.”

Baird também observa que há carência de pessoal qualificado para as ONGs defenderem o interesse público. “Apesar dos problemas, o Instituto Alana teve grande participação na norma sobre publicidade infantil e houve uma conscientização geral de que só ações indiretas, como publicações em jornais, manifestos, cartas e abaixo-assinados para congressistas não bastam diante do trânsito do empresariado junto às esferas de governo”, destaca. “No caso da RDC 24/2010, as ONGs também se reuniram com a AGU para tentar defender a regulamentação, mesmo com peso político menor que o lobby empresarial”. A pesquisa, descrita na dissertação de mestrado de Baird, apresentada em junho deste ano foi orientada pelo professor Wagner Mancuso, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP e pode ser consultada neste link.

Mais informações: email marcellofb@hotmail.com, com Marcello Baird

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