Sociólogo da FFLCH descreve trajetória de Abdias do Nascimento

Abdias Nascimento foi o fundador da Companhia Teatro Experimental do Negro.

Antonio Carlos Quinto / Agência USP de Notícias

O interesse pela vida e obra de alguns intelectuais negros brasileiros, ainda no curso de graduação, levou o sociólogo Tulio Augusto Samuel Custódio a pesquisar sobre alguns momentos da trajetória de Abdias do Nascimento, artista, intelectual, ativista social e defensor da cultura negra. “Procurei analisar e entender o impacto do ‘auto-exílio’ de Abdias do Nascimento nos Estados Unidos, entre 1968 e 1981, em sua trajetória política e na luta contra a discriminação racial”, conta o sociólogo, que estudou o tema em sua dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Custódio conta que a importância de Nascimento vem desde a década de 1940, quando ele fundou a Companhia Teatro Experimental do Negro. “Já naquela época suas ideias e posições estavam no cerne das questões raciais”, avalia. Contudo, as mudanças na postura do intelectual ficaram evidentes após seu retorno dos EUA. Custódio conta que a ida de Abdias Nascimento àquele país aconteceu com um convite da Fairfield Foundation, entidade norte-americana responsável por projetos culturais. “Uma visita que era para durar dois meses, acabou durando 13 anos”, lembra o sociólogo.

Denúncia no exterior

Nos 13 anos em que esteve nos EUA, como conta Custódio, Abdias do Nascimento teve acesso a pessoas e pensamentos que o fizeram refletir sobre a situação racial no Brasil. “Algumas pessoas criticaram o fato de ele permanecer no exterior, sendo que o período de sua visita coincidiu com a repressão. Além disso, ele já tinha ficha na polícia”, conta o pesquisador.

Em terras norte-americanas Abdias Nascimento foi convidado a ministrar cursos em diversas universidades, permanecendo como professor titular na Universidade Estadual de New York, em Buffalo (SUNY). “Lá também expôs trabalhos de artes plásticas. Afinal, ele foi recebido como artista”, conta. As oportunidades somadas à repressão vivida no Brasil fizeram com que ele se fixasse nos EUA.

E foi a partir de meados da década de 1970 que o intelectual se viu perseguido de forma mais declarada pelo então governo brasileiro, mesmo estando no exterior. “Esta repressão ficou evidente em 1975, quando o consulado brasileiro em Washington decidiu apreender seu passaporte”, lembra o pesquisador. Contudo, de acordo com o sociólogo, esta e outras medidas não tiveram o apoio do governo norte-americano.

Outra passagem citada por Custódio é sobre o episódio ocorrido em Lagos, na Nigéria, em 1977. Durante um Festival de Artes e Culturas Negras, Abdias do Nascimento quase foi impedido pelo corpo diplomático brasileiro de fazer a sua exposição. “Vale lembrar que ele se inscreveu pela delegação norte-americana”, ressalta o sociólogo. “Ele conseguiu apresentar seu colóquio graças ao apoio de intelectuais africanos e norte-americanos ali presente e da mídia local. Como sempre, denunciando ao mundo que a ‘democracia racial’ no Brasil nada mais era do que uma estratégia de embranquecimento cultural do negro”.

Em sua pesquisa, que envolveu além de entrevistas pessoais, análise de documentos e obras de Abdias, o sociólogo constatou que o intelectual absorveu de maneira própria conceitos como “diáspora” (fenômeno sociocultural e histórico que ocorreu em países além da África devido à imigração forçada) e “panafricanismo” (ideologia política e cultural que propõe a união de todos os povos de origem africana).

O retorno

De volta ao Brasil, Abdias do Nascimento fundou o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO). Além disso, vai para a carreira política, tendo participado da fundação do Partido Democrático Trabalhista (PDT). “Aliás, ele foi o primeiro a assumir cargo de uma Secretaria com foco na luta contra discriminação racial, a SEAFRO (Secretaria de Defesa e Promoção da População Afro-Brasileira), sendo convidado pelo então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, em 1991”, diz Custódio.

O sociólogo destaca ainda três obras que ele considera fundamentais para se compreender a trajetória do intelectual: O Genocídio do Negro brasileiro, de 1978, O Quilombismo, de 1980, e Sitiado em Lagos, de 1981. A pesquisa Construindo o (auto) exílio: trajetória de Abdias do Nascimento nos Estados Unidos, 1968-1981, foi orientada pela professora doutora Marcia Regina de Lima Silva.

Mais informações: email custodta@gmail.comcom Tulio Augusto Samuel Custódio

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