Uma nova era de cooperação e internacionalização universitária

Evento na FEA analisou o papel das relações entre Universidades, empresas e governos no atual momento das relações internacionais.

No último dia  12 de março a USP recebeu a palestra As Relações Governo-Universidade-Empresas em uma nova era de relações internacionais: impacto para a realização do ensino superior, com a participação de Manuel Heitor, do Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa e Adnei Melges de Andrade, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) e ex-Vice-Reitor Executivo de Relações Internacionais da USP, atualmente em licença-prêmio.

A palestra, que aconteceu na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), foi uma iniciativa do Núcleo de Política e Gestão Tecnológica (PGT) da USP e debateu o papel das universidades e da cooperação científica entre os países na nova era das relações internacionais. No evento também foi anunciado um novo protocolo de cooperação da USP com o Instituto Superior Técnico na área de gestão, assinado pelo Vice-Reitor da USP, Hélio Nogueira da Cruz.

Universidade, empresa e governo

O professor Manuel Heitor, o primeiro a falar, defendeu que as relações entre as universidades e dessas com governos e empresas podem assumir um papel decisivo nessa nova era das relações internacionais. “Quando falamos de Brasil, muito autores como Celso Furtado e Sérgio Buarque de Holanda apontaram os desafios e as lições para o desenvolvimento endógeno. Claramente que hoje, quando falamos em relações internacionais, temos um panorama diferente: países do Atlântico Sul têm assumido uma posição de centralidade no contexto energético. Além disso, a abertura do Canal do Panamá, em 2015, poderá suscitar uma maior relevância para a cooperação acadêmica internacional”, analisou.

A cooperação acadêmica internacional passa pela internacionalização das universidades e pela mobilidade estudantil, tema que vem dominando a literatura especializada, pelo surpreendente crescimento. Em 1975, eram 800 mil estudantes em intercâmbio no mundo todo. Em 2011, o número era de 4,5 milhões, segundo dados da Unesco apresentados na palestra. “O fenômeno é resultado da democratização do acesso ao conhecimento, sobretudo na Ásia e na América Latina”, diz Heitor. Para ele, os fluxos estudantis são baseados em duas causas: a primeira é falta de condições ou oportunidades de estudo em seu país de origem e a segunda é a migração em busca de emprego. Nesse segundo caso se enquadram os muitos estudantes chineses e indianos que vão estudar nas universidades norte-americanas.

Além da mobilidade, o professor considera importante discutir qual é de fato o papel da internacionalização em uma era em que a relação entre os governos, as universidades e as empresas ultrapassa as fronteiras dos chamados sistemas nacionais. “A internacionalização vai além da simples atração de estudantes, ela precisa ser feita através de políticas públicas. De fato, a questão que se põe é como é que essa cooperação acadêmica internacional pode se constituir em um fator de desenvolvimento endógeno das regiões. Isso implica que essa cooperação seja muito mais do que importação/exportação de serviços acadêmicos, em que a cooperação com as empresas e governos ocupa uma posição central”, afirmou o professor.

Cooperação além do franchising

Heitor citou três exemplos que vêm sendo desenvolvidos no mundo todo que se enquadram nesse modelo. O primeiro deles é a cooperação entre sete universidades dinamarquesas e a Academia das Ciências Chinesas, com centros de pós-graduação, sobretudo nos níveis de mestrado e doutorado, com ações simultâneas nos dois países.

Em 2013, foi aberto um conjunto de programas centrado na formação avançada na China, mas com objetivos que ultrapassam a simples venda de franchising dessa Universidades. O programa tem assumido algumas características do desenvolvimento endógeno nas regiões chinesas. Essa é uma iniciativa muito recente que, segundo o professor, poderá render bons estudos sobre cooperação acadêmica no futuro.

O segundo exemplo, um pouco mais antigo, foi a Universidade Britânica de Dubai, uma iniciativa de várias universidades inglesas. A universidade tem atuado em programas de desenvolvimento profissional em disciplinas que foram selecionadas de acordo com a relevância para a região. “Esses programas têm contribuído para alocação de recursos humanos no Oriente Médio, que é um dos maiores desafios dessa região”, disse Heitor.

O professor citou ainda o caso de parceria que já dura seis anos entre Portugal e o Massachusetts Institute of Technology (MIT). São quatro programas de doutorado e vários outros de mestrado nos temas de energia, tecnologias de informação e saúde que modernizaram as agendas de pesquisa das universidades portuguesas. Segundo Heitor, além de formar redes de pesquisa, os projetos tem o objetivo de abrir para empresas portuguesas mercados transatlânticos. “Em termos de políticas públicas, é uma parceria muito exigente, porque vai além da aplicação mais tradicional do financiamento direto nas universidades e porque passa pela agenda internacional”, completou o professor.

Em relação às políticas públicas em cooperação acadêmica em Portugal com o MIT, Heitor citou as “test bed”, que são regiões de teste onde são desenvolvidos alguns programas temáticos de ciência e tecnologia. Foram criadas várias “testbeds”, e uma delas foi desenvolvida na região dos Açores. Ali foram testadas tecnologias inovadoras com o objetivo de obter 75% da produção energética da região de fontes renováveis até 2018. “O projeto nos leva analisar a cooperação científica acadêmica sob três aspectos: a formação e atração de pessoas e, ao contrário daquilo que tem sido a fuga de talentos, que essas formas de cooperação sirvam para atrair e reter os talentos locais”, explicou Heitor.

Manuel Heitor concluiu sua apresentação destacando a nova narrativa das relações entre as universidades, os governos e as empresas. “Nesse conjunto complexo de relações internacionais, em que a dimensão econômica tem sido uma alavanca para o desenvolvimento das universidades, é preciso perceber a cooperação internacional também como fator de formação de pessoas, dessa nova geração de pesquisadores, valorizando a ética social”, finalizou.

A internacionalização da USP

O segundo palestrante a falar foi Adnei Melges de Andrade. Ele apresentou as condições de cooperação internacional na USP. O professor destacou a modalidade de intercâmbio conhecida como duplo diploma. Nela, o aluno matriculado em determinadas unidades da USP pode fazer parte da graduação em outra instituição de Ensino Superior estrangeira. A USP tem convênios de duplo diploma com França. Alemanha e Portugal, com o protocolo mais recente.

A Escola Politécnica (Poli) foi a pioneira nesse modelo de cooperação na Universidade. Segundo o docente , desde a instalação do programa, foram ceca de 800 engenheiros com dupla formação. “Preparar um aluno com duplo diploma é a essência do que estávamos discutindo aqui, porque nós estamos preparando esse estudante para o setor produtivo, para a indústria”, disse.

Para Andrade, mais importante do que submeter o aluno a dois projetos pedagógicos diferentes, o que é importante para enriquecer sua formação acadêmica, a oportunidade de estudar em uma universidade estrangeira coloca esses estudantes em contato com outra cultura. “Uma empresa, ao empregar um jovem formado em dois países, que sabe pelo menos dois idiomas tem o benefício de ter um profissional que conhece os hábitos de consumo desses dois países. Isso é fantástico!”, complementa.

Uma empresa, ao empregar um jovem formado em dois países, que sabe pelo menos dois idiomas tem o benefício de ter um profissional que conhece os hábitos de consumo desses dois países.

Ele considera o programa da USP um sucesso no que compete à internacionalização da Universidade. Atualmente são oferecidas bolsas de estudo para aqueles que tiveram os melhores desempenhos acadêmicos e desejam estudar no exterior. As bolsas, de acordo com Andrade, contemplam áreas do conhecimento que o programa Ciências sem Fronteiras do governo Federal exclui por não serem consideradas “ciências brutas”.

Empresas x Universidade que dá certo

O professor ainda citou as iniciativas do setor empresarial que dão o apoio necessário à internacionalização: um convênio da Boeing Research com a USP para desenvolver projetos de tecnologia nas áreas de modelagem do comportamento de multidões e análises visuais nos Laboratórios de Computação Visual da Poli.

O outro exemplo citado pelo professor foi o programa da Fundação Renault destinado a formação cultural necessária para o profissional que a Renault buscava logo quando se associou à Nissan. “Quando foi preciso enviar jovens para a Nissan, ele tiveram grande dificuldade de adaptação. Até perceberem que nós tínhamos esses jovens, que tinham ascendência japonesa que falavam francês e português devido ao duplo diploma. É um bom exemplo de contribuição da Universidade para a indústria”, afirma.

Andrade conclui sua apresentação evidenciando o papel da internacionalização para as Universidades: “A internacionalização nos permite compartilhar experiências, nos ajuda a reestruturar nosso currículos, que tendem a estar nas zonas de conforto dos nosso docentes, e nós precisamos disso” finalizou.

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